Opinião
À beira do fim
O que fazer quando os avós se vão? Como explicar que não vão voltar?
Gosto de escrever sobre coisas minhas ou sobre coisas dos outros que me tocam também. Impelem-me a procurar soluções e a aprofundar quereres. Foi o que aconteceu desta vez…
O meu ano começou como uma simples extensão daquele que acabou, nada mais foi que um dia a seguir ao outro. Talvez para outros tenha sido o chegar à meta de um recomeço qualquer. Ano novo, vida nova! - costuma dizer-se - mas a vida nova nem sempre é melhor que a anterior. Às vezes, o virar de página traz acontecimentos transformadores e as novas circunstâncias mudam-nos a vida e até a nós próprios.
Nos primeiros dias de janeiro, um amigo perguntou-me se devia ou não de “expor” a sua filha de 5 anos à situação de doença terminal da avó. Aquela pergunta acabou com a minha tranquilidade de ano novo. Estilhaçou-me o coração e pôs-me às bulhas cá dentro. Nem sempre tenho rijeza, estofo, capacidade... ou seja lá o que for para me distanciar das situações. Doem-me como se fossem minhas, emocionam-me, paralisam-me.
Nem todos começaram o ano de forma pacífica como eu, pensei. Um pai prestes a perder a mãe a querer salvaguardar o bem-estar da sua filha. Quão duro é por vezes amar!
Respondi, tentando afastar as emoções que me turvavam o raciocínio. Queria a todo custo que a minha resposta lhe desse alguma orientação e sossego, mas fui embora com uma pedra no sapato….
O que fazer quando os avós se vão? Como explicar que não vão voltar? Na maior parte das vezes, usamos eufemismos para proteger a criança, aligeirar a partida e fintar perguntas que não queremos responder. “Foi para o céu, adormeceu para sempre, é agora uma estrelinha, foi para um lugar melhor”, e sem querer acabamos a alimentar confusões e dúvidas.
Fui ler sobre o assunto e grosso modo o que se aconselha é verdade e segurança, sempre uma ao lado da outra.
Tendencialmente, toda a família se organiza para poupar o sofrimento das crianças, o que pode passar pela omissão ou pela mentira, mas esconder a doença grave de alguém significativo para a criança, é, em primeiro lugar, impossível. Quando um dos elementos da família sofre algum tipo de mudança, todo o conjunto é atingido e, independentemente do que é explicado, as crianças apercebem-se de que algo não está bem pelas mudanças no estado emocional dos elementos da família e nas dinâmicas familiares. Depois, em segundo lugar, é deixar a criança entregue à sua imaginação, o que é difícil e perigoso.
A ausência de comunicação ou o silêncio, apesar de bem intencionados, podem aumentar o sentimento de insegurança das crianças, que percebem que a vida mudou sem compreender porquê.
Naturalmente, as explicações devem adequar-se à faixa etária e ao nível de desenvolvimento da criança. As mais novas precisarão de informação simples e clara e os adolescentes de informação mais detalhada, mas o fundamental é transmitir segurança. Independentemente do estado de saúde da pessoa doente, é importante reforçar que a criança vai continuar a ser cuidada e a manter as suas atividades.
A literatura diz que o envolvimento da criança no processo de cuidar, valorizando as manifestações de carinho e a comunicação entre a criança e a pessoa doente, cria condições para que, no percurso da doença, a criança elabore questões sobre o fim de vida e que estes momentos vão ajudando a família a comunicar más notícias à criança, a lidar com as diversas etapas da doença e, consequentemente, a criar condições para o momento da despedida, com a harmonia que é necessária.
Não existem propriamente receitas para comunicar más notícias, apesar de existirem protocolos para esse efeito. Acima de tudo, devemos ser diretos sem metáforas à mistura, as crianças precisam da dimensão concreta e lógica dos acontecimentos; sejamos sinceros quanto à razão da nossa tristeza e à luz das nossas crenças e valores respondamos com sinceridade às suas questões; lembremos à criança que as relações não acabam, mudam apenas. Fotos e memórias ajudarão a criar um novo vínculo com quem partiu; mantenhamos as rotinas, sejamos compreensivos com possíveis alterações do comportamento e permitamos à criança sentir ou não sentir. Estejamos também atentos aos sintomas indicadores de dificuldades no luto, como por exemplo o isolamento ou, pelo contrário, a dificuldade em estar sozinho.
Os adultos não sabem tudo, muito mais quando precisam de gerir emoções em simultâneo. Não saber não nos torna frágeis, apenas reais e honestos. À beira do fim fazemos todos o nosso melhor.