Opinião

A moral da história

13 set 2024 16:26

A metáfora amplia-nos o sentido das possibilidades numa trajectória existencial

O contendor não desprezes / Por fraco, se te investir; / Porque um anão acordado / Mata um gigante a dormir». (A lebre e a tartaruga, La Fontaine: trad. Curvo Semedo). Esopo terá sido um escritor da Grécia Antiga a quem se atribuem várias fábulas populares. A ele se outorga a paternidade desse género literário. A sua obra inspirou outros escritores como Fedro e La Fontaine. Intemporais, as histórias a si atribuídas, vêm sendo recontadas há mais de 2500 anos. Curtas e bem-humoradas, as fábulas surgem da cultura popular, induzindo reflexões sobre costumes quotidianos.

Os protagonistas quase sempre são animais (ou pessoas, deuses e mesmo coisas inanimadas). A “moral da história” é considerada a componente mais relevante da narrativa na perspectiva social. Consiste na avaliação que leva o leitor à compreensão dos significados de eventos, incitando raciocínios e respostas. Tal pressupõe a identificação com o conteúdo narrado, processo construtivo de aceitação. Face a um determinado tema não existe apenas uma narrativa.

Há uma vasta multiplicidade, com níveis de inferência, alcance e visibilidade distintos. A moral pode ser deixada ao critério do ouvinte, do leitor ou do espectador para que a determine por si mesmo; ou pode ser revelada sob a forma de aforismo. «Para sobreviver é preciso contar histórias», afirma Umberto Eco. Tal produz a virtualização do significado, uma vital expressão da existência que fomenta vários sentidos, para além do literal. A vida é multi-histórica e cada nova forma de contar uma narrativa gera outras hipóteses de construção de significado e acção. A metáfora amplia-nos o sentido das possibilidades numa trajectória existencial.

O psicólogo Jerome Bruner, pioneiro da Psicologia Cognitiva, sustentou que o desenvolvimento cognitivo e a construção da aprendizagem, ocorrem por meio de signos e simbologias que se manifestam por via de narrativas mentais. No processo, ocorrem três modos narrativos de pensamento – a paisagem da acção, a paisagem da consciência e a paisagem da identidade. Estas referem-se ao território imaginário no qual as pessoas traçam desejos, crenças, compromissos, motivações, intenções e valores identitários que têm implicações nos sentimentos e na acção.

«Descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência». (Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas).