Opinião
De que falas quando dizes Liberdade
A liberdade é a mão original da inocência para suplantar o medo e as sombras, vogando na expectativa de estreitar a individualidade no universo
Miguel Torga, em 1945, afirmava nos seus «Diários» que “Liberdade é disciplina, consciência e auto-limitação. (...) Mas vamos juntar-lhe actualidade, técnica, e um conceito mais humano e dialéctico de encarar os problemas. Teremos a nossa ordem, que não há-de precisar de pistolas da ordenança, e teremos as nossas realizações. Desejamos coisas simples e possíveis”.
Comparo, por isto, a Liberdade ao Amor: porque não existe amor da parte de um ser humano sem manifestações genuínas de liberdade. Aquilo que apelidamos de amor (o ‘possível’), designamo-lo como uma forma de exaltação, um legado que permanece no coração dos outros quando os abraçamos ou já não estamos, quando partimos e lhes deixamos esse arbítrio que fica no mundo e no olhar de quem se cativa, como um reduto de esperanças e aclamações.
A forma como (n)os inspiramos nas virtudes e nos gestos da não rendição, no alento que ensina e modela, nos impulsos para ir mais além, nessa ampliação dos horizontes infinitamente alcançáveis. Tudo aquilo que permanece no rumo do semblante, esplendor que habita o espírito humano.
A liberdade é a mão original da inocência para suplantar o medo e as sombras, vogando na expectativa de estreitar a individualidade no universo. O significado perene do pensamento na dádiva de um propósito conjunto, vital ensejo da civilização. A reverberação dos silêncios na procura de um sentido, a clarividência da oportunidade que floresce.
Porque a vida é uma cartografia que se percorre devagar, revelação de que não é somente útil fazer o melhor e mais célere, porém, o mais árduo e gratificante. A força motriz da realização e do futuro, o combustível da cidadania, essa mediatriz da inteligência que coliga quando há contradições e sofrimento, ou as desconexões que temos connosco próprios e com os outros, num sentido unívoco.
Em liberdade protegemos os que amamos com a mão compassiva que permanece, o amparo que nos coliga numa honra universal. Não precisamos de espadas ou escudos, de pistolas ou coletes à prova de bala: apenas da persistência sem medida, respeito ou bondade, e jamais a renúncia das autenticidades.
A Humanidade progride por via dos actos de heroísmo, como um fluxo em que mergulhamos na ignição da clareza, para dotar o universo e os seus cambiantes de uma ética da generosidade. Porque a vida tem de contar, nessa rota que delineamos com a bússola da alma, já que «existir-se é fundamentalmente amar» (Agostinho da Silva).