Opinião

Esperançar

3 nov 2023 16:35

Todo o ser humano possui um instinto primordial para suster a marcha, que o incita a constatar que o equilíbrio advém do processo de repouso, em justaposição ao tumulto

É nos momentos de espera que intuímos o que pensamos. Dizer a si mesmo «é preciso esperar», é a formulação de um desejo, sensação que, de modo (in)consciente, assume a expressão de uma necessidade elementar.

Todo o ser humano possui um instinto primordial para suster a marcha, que o incita a constatar que o equilíbrio advém do processo de repouso, em justaposição ao tumulto. Destas duas forças contrárias emerge um intento difuso, mas que na sua expressão vegetativa, assume a expressão duma quietude.

A espera assume contornos de uma «indolência sorridente» como afirma Florence Lotterie (escritora francesa), na linha dos clássicos apreciadores da «flânerie», espécie de deambulação contemplativa.

O mais relevante na noção de suspensão da voragem do tempo, é o desejo de esquecer o sincopar do relógio e passar a ser dono do próprio tempo e ritmo, com vista a uma expressão plena, por via da activação do corpo, dos sentidos, das emoções, da imaginação, da criatividade e da espiritualidade.

Esta é uma equação gerada na simbiose de elementos que reconduzem ao despertar do desejo e da estabilização (homeostasia – propriedade orgânica de permanecer em equilíbrio mesmo quando ocorrem mudanças radicais no meio externo), integrando o silêncio e a evasão, evitando o tédio e a ociosidade (ou o hedonismo libertário).

“A espera serve para sublimar o desejo e torná-lo mais poderoso”, firma Gabriel Garcia Marques em “O Amor nos Tempos de Cólera”. Esperanto é um idioma internacional concebido em 1887.

O seu autor, o oftalmologista polaco L. Zamenhof (1859-1917), lançou-o como o dialecto “daquele que tem esperança”. O livro original “Lingvo Internacia”, que se traduz por “língua para ser internacional”, surge numa geografia onde residiam várias comunidades linguísticas – judeus, russos, lituanos e polacos. Estavam divididos, não só pelos idiomas, mas também pela religião e classe social.

Este idioma é mais fácil de aprender do que as línguas nacionais, pois foi planeado para ser regular. Comparando com os demais idiomas, estabelece-se numa comunicação ‘de igual para igual’ entre falantes de origens distintas, o que reduz a vantagem cultural que um falante nativo teria ao empregar a sua língua.

A proposta do Esperanto não é a de substituir qualquer outro idioma nacional, mas complementá-lo, usando-o como ‘língua franca’, protegendo as línguas minoritárias. Vivemos numa conjuntura de grande pavor universal. Diminua-se a desesperança e use-se um só ‘idioma’ da alma. «A esperança é a poesia da dor, a promessa eternamente suspensa diante dos olhos que choram e do coração que padece» (Paolo Mantegazza).