Opinião
A saudade
Revejo-me nos defeitos e virtudes dessa maneira de ser e de estar que convencionámos e aceitamos como o “ser português”
1. Às vezes sinto que não poderia ter nascido noutro país, que não em Portugal.
Como se estivesse predestinado a vir parar aqui.
Como se, no jardim das sementes, procurasse uns pais e os meus pais estivessem à minha espera, aqui, nesta região do mundo.
É presunção, eu sei, mas é um sentimento que me percorre.
E depois revejo-me nos defeitos e virtudes dessa maneira de ser e de estar que convencionámos e aceitamos – sem grande racionalidade – como o “ser português”.
Mas é mais uma intuição, sem razão aparente. Sim, tenho vontade algumas vezes de sair e viver noutras paragens. Mas para mim é tarde de mais.
Sempre gostei da Nova Zelândia, vá-se lá saber porquê, e não me teria importado de fazer uma experiência de vida no Canadá e, devo dizê-lo, a Suécia atrai-me, e até a Islândia.
Mas a Suécia eu sei porquê: pelos filmes de Bergman, que vi todos, alguns até à exaustão.
E na adolescência achávamos as atrizes suecas lindíssimas.
E fico sem saber se o apelo da Suécia terá sido pelas paisagens, ou por razões acessórias… Mais do que quinze dias fora do país e começo a ficar inquieto, porque quero voltar.
É a chamada “saudade”?
2. Por isso, sempre admirei – e admiro - todos os que partiram para outros países, para puderem viver melhor. Os emigrantes.
Sem conhecerem a língua de destino, muitos deles analfabetos, ou só com a 3.ª ou 4.ª classe, a maioria, numa primeira fase, deixando mulheres e lhos atrás, em condições de vida que ainda hoje temos receio de perguntar, por vergonha.
(Poeticamente, também à boa maneira portuguesa, chamamos ao fenómeno de “diáspora”).
Falamos dos anos cinquenta e sessenta. Muitos deles regressaram, antes que os lhos crescessem e criassem lá raízes, mas outros, já com filhos e netos nascidos no país de acolhimento, por lá ficaram.
E pergunto a mim próprio como aguentaram definitivamente essa separação, até ao fim dos seus dias.
Muitos dos meus vizinhos, nunca mais os vi. Talvez porque viessem em férias, na altura em que saia eu de férias.
Parece que foi há tanto tempo, mas para a minha geração foi um fenómeno marcante que se repercute ainda hoje.
Porque a geração atual, que tem emigrado também às centenas de milhares, ao longo do século XXI, tem condições e opções diferentes.
Parece que o seu país, é o mundo. Têm qualificações, a maior parte.
E vão preparados para considerarem como sua terra toda aquela onde se sintam bem, a que lhes dê qualidade de vida.
Suponho, mas não tenho a certeza, que poucos sofrerão de “saudade”. Porque nada é igual há cinquenta anos.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990