Opinião

Ainda bem que é Natal

19 dez 2024 16:33

Que se saiba valorizar e preservar o que se tem, que seja possível revermo-nos num bom olhar dos outros

Ainda bem que é Natal era o título dado ao texto que, a minutos de ser enviado para a redacção do jornal, apaguei sem querer, e perdi para sempre, por não estar guardado. Experimentei todas as possibilidades apresentadas nos tutoriais que o motor de busca me indicou, procurei em cada pasta para onde ele pudesse ter inexplicavelmente fugido, refiz todos os passos, e voltei ao princípio. Nada. Só a muito custo respiro fundo e me mantenho em silêncio, num estóico combate à minha alma nortenha.

Recordo os dois cliques que fiz para reacender o ecrã depois de ter ido espevitar a lareira, e sei que foi aí que aconteceu. Respiro fundo de novo, desta vez para conter as lágrimas da frustração, e da incapacidade de resolver. Vêm-me à ideia as pessoas que, por algo bem mais complicado fazem o mesmo, cerrando os punhos e os dentes em silêncio, perante o que os afecta mas não está ao seu alcance resolver.

O texto estava bem, estava pronto, faltando-me apenas relê-lo uma última vez, mas sinto-me totalmente incapaz de o refazer. E não é isso que tantas vezes acontece nas nossas vidas, quando não conseguimos que alguma coisa em construção, ou que alguma relação próxima possa recomeçar do ponto onde as deixámos, ou nos perdemos delas? O que fazemos então? Remendamos, desistimos ou recomeçamos? Permaneci um bom bocado a insuflar calma a mim mesma, secretamente esperando que uma última tentativa de me reencontrar com a minha reflexão sobre o estado do mundo tivesse sucesso.

O texto falava do que tem vindo a acontecer neste ano da graça de 2024, quase a terminar, mas a não ir para melhor, seguramente (lembrei-me da frase), carregado de guerras, de mortos, de famintos, e de gente sem casa, sem emprego, sem eira nem beira, por conta dos senhores da guerra e da total incapacidade de diálogo, e falava dos gritantes contrastes, de que agora já não me interessa falar porque a verdade é que com o que é bom podemos todos, mesmo que seja um bom para outros, e é com o mal, mesmo que não nos afecte, que nos devemos mesmo preocupar.

Finalmente ciente de que seria impossível recuperar de memória as frases onde alinhavei todas as ideias, decidi escrever outra coisa. Saber deixar ir é importante, e fazer de novo, mesmo que não fique tão bem, é sempre melhor do que remendar. Faça-se de novo, então, tal como no tal reatar de projectos ou relações a precisar de recomeços. Sempre algo difíceis, por implicarem a assunção de alguma falha, erro ou incapacidade nossa, mas é preciso saber perdoar, a nós próprios e aos outros, para se poder prosseguir como deve ser.

Hoje, reatei uma relação importante e atento na necessidade de reatar uma outra, com menos peso, mas merecedora desse esforço. Num mundo difícil podemos muito pouco contra a guerra e a injustiça, mas podemos fazer muito bem no nosso pequeno quintal. O Natal não é quando alguém quiser, ou seria banal; é agora, no mês do frio, das luzes e dos encontros.

Que se saiba valorizar e preservar o que se tem, que seja possível revermo-nos num bom olhar dos outros, e que se consiga dar, realmente, porque é daí que a felicidade vem. Feliz Natal.