Opinião

Álbuns de histórias

21 mai 2023 17:53

Para além dos anos que contamos efetivamente a cada movimento de translação da Terra, cabe também nesta contagem um sem número de anos de vida de outros que convergiram na nossa existência

Quantos anos tens? O que fazia a tua mãe com a tua idade? E o que fez ela antes de nasceres? Sabes a história de vida dos teus avós?

Eu sei que sei menos do que devia saber e sei também que um dia a ausência dessa informação me vai corroer.

Há naturalmente muitas histórias que se repetem em cada família, mas existem outras tantas que nunca tiveram oportunidade de se ouvir, daí considerar que para além dos clássico álbuns fotográficos, deviam de existir também registos escritos das peripécias vividas, que a qualquer altura pudessem ser recordados.

Dizem que os avós, ou a sua memória, duram até ao término da vida dos netos, mas como é que um neto de um avô falecido pode ter acesso ao seu passado familiar? Eu sei que as imagens valem mais que mil palavras, mas fora do contexto em que foram vividas perdem emoções e alguma da sua essência. Nada melhor do que ouvir, ou neste caso ler, histórias contadas na primeira pessoa. Serão certamente mais concretas e permitirão um contacto com quem já cá não está e com o que não se viveu.

De facto, bem vistas as coisas, a nossa vida começa bem antes do nosso primeiro fôlego. Para além dos anos que contamos efetivamente a cada movimento de translação da Terra, cabe também nesta contagem um sem número de anos de vida de outros que convergiram na nossa existência. É como um encaixe de bonecas russas. Dentro e fora do boneco que somos coabitam experiências que nos põem onde estamos.

Há algum tempo que penso fazer este registo, mas sabem como é! Vai-se a ver e já passou mais uma semana... há testemunhos que infelizmente já não terei, precisamente por deixar o tempo rolar, pois a certa altura, achamos que a família é eterna (e é de certa forma) e que há tempo que sobra. Depois, o puzzle começa a perder algumas peças e essa condição a que não podemos fugir, situa-nos.

Uma das curtas a que assisti no Leiria Film Fest durante este mês de maio, reavivou-me esta vontade. Explorar junto dos mais velhos as suas vivências e registá-las. Provavelmente, todos temos na família alguém que viveu a ditadura e a guerra colonial, por exemplo, ou um irmão que ainda fez o serviço militar obrigatório ou que dele fugiu. Imaginem a riqueza, para o bem e para o mal, destas descrições! Merecem estar escritas e perdurar como espólio familiar.

Ter acesso ao passado dos nossos é uma forma de nos construirmos a nós mesmos e de nos aproximarmos de contextos históricos/sociais particulares. Pertença e gratidão, reconhecimento e valorização. Que herança melhor que esta?