Editorial

Auto-golo na democracia 

22 fev 2024 08:02

“Não, não vi o debate. Então a dar o jogo do Sporting ia lá perder tempo com isso?”

Os debates televisivos com os candidatos a primeiro-ministro às próximas eleições legislativas têm sido um verdadeiro espectáculo. Não tanto pela fertilidade de ideias para o futuro do País, mas mais pela espécie de entretenimento com que têm sido encarados, e explorados, pelos diferentes canais televisivos.

Inspiradas pelo modelo dessa instituição nacional que é o futebol, as televisões têm desafiado os candidatos a fazer a ‘antevisão’ do debate, depois brindam-nos com a tradicional ‘flash interview’, seguindo-se os painéis de comentadores, com a análise ao desempenho e atribuição de notas aos ‘jogadores em campo’.

À boa maneira dos craques da bola, os candidatos lá vão driblando as perguntas difíceis e desviando os ataques, na tentativa de marcarem ‘golo’ com as suas propostas políticas. Quando o adversário parece ganhar vantagem no terreno, logo surgem os protestos de um alegado ‘fora de jogo’, sob a forma de “isso não verdade” ou “isso é mentira”, deixando os espectadores em suspense. Um suspense que só será resolvido com recurso ao Polígrafo e outras plataformas de verificação de notícias, o equivalente ao VAR na comunicação social.

No final do ‘jogo’, cada ‘passe’ bem sucedido, ‘auto-golo’, ou escorregadela na retórica, levam os comentadores à quase euforia, tal o entusiasmo que aplicam na tentativa de decifrar a estratégia subjacente a cada um destes ‘lances’.

Há ainda tempo para ouvir os ‘adeptos’, com entrevistas de rua, qual delas a mais assertiva: “Olhe, eu até estive a ver o debate, mas só porque não dava o Benfica”, testemunhou um entrevistado, esta terça-feira de manhã, à mesa de um café, na zona sul do País. “Não, não vi o debate. Então a dar o jogo do Sporting ia lá perder tempo com isso?”, asseverou o segundo entrevistado, vendedor num mercado da região Norte.

Assinalamos este ano os 50 anos do 25 de Abril. Cinco décadas depois e é neste patamar que se encontra a nossa democracia?