Editorial
Trabalhar e não ter onde morar
Começam a registar-se sinais ainda mais preocupantes, que se traduzem numa mudança do perfil dos sem-abrigo
Os números exactos são difíceis de apurar, mas a tendência para um aumento significativo de pessoas em situação de sem-abrigo, no País em geral e na nossa região em particular, está confirmada e é real. Basta recuperar as declarações recentes do Presidente da República para perceber que as medidas implementadas até agora não atingiram os resultados esperados.
Em 2019, Marcelo Rebelo de Sousa tinha assumido o objectivo de, em conjunto com o Governo, erradicar o fenómeno até 2023. Nessa altura, estimava-se que existiam cerca de 7.100 pessoas em situação de sem-abrigo em Portugal. Dois anos depois, após os efeitos da pandemia, e com quase mais mil pessoas a viver nas ruas, o Chefe de Estado admitia o fracasso das estratégias e alterava o espaço temporal por ele estabelecido: deixou de falar na erradicação até 2023 e passou a colocar como meta “um prazo razoável” para a eliminação desta “ferida social”.
Quase a entrarmos no ano de 2024, os casos de sem-abrigo identificados a nível nacional, ultrapassam já os 10 mil. Como vos damos conta nesta edição, o concelho da Marinha Grande é um dos que tem sentido também o agravamento deste flagelo.
Com o aumento do custo de vida, a crise habitacional e a consequente subida exponencial do preço das rendas, é fácil perceber o drama em que vive José. Sem trabalho, e com 69 anos, conta com uma reforma de 340 euros. Valeu-lhe um amigo, que lhe disponibilizou um sofá para dormir. Caso contrário, continuaria a pernoitar em carros abandonados.
Lamentavelmente, e apesar dos muitos casos semelhantes aos deste José, começam a registar-se sinais ainda mais preocupantes, que se traduzem numa mudança do perfil dos sem-abrigo. Continuam a existir muitas situações originadas por problemas de alcoolismo, toxicodependência e doenças mentais, mas há cada vez mais pessoas que têm um emprego, só não conseguem pagar a renda de uma casa para morar. Isto em pleno século XXI.