Opinião

Aviões de papel

10 jul 2020 19:29

Raramente reparam no avião branco caído no passeio.

Aos domingos à tarde, quando o céu está azul e a brisa agita suavemente as árvores, a menina senta-se no chão do seu quarto e dobra folhas de papel. Faz aviões.

E os aviões, meticulosamente dobrados, vão-se acumulando numa fila junto à janela.

Depois, pega em cada um dos aviões e escreve com a sua letra pequena e redonda uma frase numa das asas.

São tão perfeitos que parecem saídos de uma fábrica de aviões; e belos, na sua simplicidade: brancos, decorados com uma frase.

Aviões arrumados numa fila certinha, iluminados pelo sol que espreita pela janela; como se estivessem num aeroporto a aguardar a sua vez de se erguerem para lá das nuvens e viajarem.

A menina olha a sua fila de aviões, escolhe um deles e vai até à varanda.

Atira o avião e fica a vê-lo planar no céu, bailando envergonhadamente, rodopiando, deixando-se cair até à rua onde aterra com suavidade.

E onde fica quieto, à espera.

São aviões que nunca se erguem até às nuvens; mas parecem não se incomodar com isso: o seu destino é outro.

O destino que a menina lhes atribui é o de ficarem caídos no passeio até que alguém passe e repare neles.

É uma rua tranquila, ladeada de árvores onde vivem muitos pássaros.

Não passam carros, não se ouvem os barulhos habituais da cidade: apenas os pássaros entretidos nas suas conversas e cantorias sem fim.

Conversas e cantorias que a menina gosta de ouvir e fingir que entende.

Também gosta de olhar as pessoas que, por vezes, passam.

Pessoas sempre apressadas, como se estivessem a fugir ao tempo; ou a persegui-lo, para o tentar capturar e guardar dentro dos seus relógios.

E é por causa destas pessoas sempre apressadas, que nunca olham as árvores nem escutam os pássaros, que a menina atira os seus aviões de papel.

Para as fazer parar.

Para as ajudar a sentir o tempo.

Atira um avião e fica à espera.

As pessoas passam apressadas; porquê tanta pressa, fogem ao tempo ou tentam apanhá-lo?

Raramente reparam no avião branco caído no passeio.

As que reparam, nada fazem. Mas há sempre a possibilidade de alguém pegar nele e o atirar.

A menina gosta dessa ideia, de imaginar que o avião pudesse ser atirado por quem o visse caído e, desse modo, percorresse o mundo.

Etapa a etapa, pessoa a pessoa; voar passo a passo.

Também ficaria feliz se alguém pegasse o avião e o levasse consigo; por isso é que faz muitos, por isso é que tem vários aviões arrumados numa fila certinha, iluminados pelo sol que espreita pela janela.

Por prevenção, por optimismo.

(Pré-publicação do início do romance Aviões de Papel, a editar brevemente pela Minimalista)