Opinião
Cerejas eternas?
Apesar dos churrascos e dos mergulhos permanecerem, a silly season tal como existia desapareceu
Agora que entramos na canícula estival, criando propícias condições para férias, longos repastos com os amigos, churrascos, mergulhos, e indolência generalizada, inicia-se também o período antigamente chamado “silly season”. Esse período modorrento em que nada de relevante se passa, que não tem interesses dignos de registo, e que levava jornais a encher páginas com inquéritos de verão que muitos “famosos” usavam para mostrar a sua cultura literária imaginada em praias desertas.
Apesar dos churrascos e dos mergulhos permanecerem, a silly season tal como existia desapareceu. Fazendo a perícia forense ao desaparecimento deste período, encontro dois motivos principais. Por um lado, há uma contaminação dos assuntos de Verão para as restantes estações do ano.
As intrigas futebolísticas passaram a ter lugar todas as semanas, discutindo-se se o jogador X irá para o clube A mal ele chega ao clube B. As fofocas sobre casamentos, divórcios, e affairs de famosos passaram a discussão diária, tendo mesmo canais televisivos dedicados ao tema. Já para não falar da preponderância de notícias bizarras, antigamente reservadas para divulgação cómica no Homem que Mordeu o Cão e hoje pululam em jornais e telejornais.
Por outro lado, o Verão foi contaminado com os temas sérios. As discussões políticas sobre decisões pertinentes continuam pelos meses quentes. As investigações sobre atuações políticas duvidosas não param mesmo quando o termómetro sobe. E temos a cobertura ao segundo das diferentes guerras que vão surgindo.
Parece contraditório? Eu arrisco dizer que há uma síntese. Os assuntos sérios recebem atenção mediática mesmo no Verão porque... já não são encarados como sérios. Tomemos o exemplo da guerra. Temos, hoje em dia, uma proliferação de militares (alguns com um apontador roubado a um mestre-escola) comentando eventuais movimentações num teatro de guerra com atualizações ao minuto.
São informações concretas, que se destinam a ajudar o cidadão comum a entender o que se passa? Nem por sombras: temos entretenimento puro, que faz as pessoas preferirem a explicação A ou B, e escolherem o seu comentador militar favorito – tal como escolhem o seu ator ou cantor preferidos.
Os assuntos palermas já não são como cerejas. Em vez de aparecerem com o calor para dar uma alegria passageira aos nossos palatos, prolongam-se agora numa sequência infernal e infinita que os torna tão banais como batatas e tão úteis para o cidadão como um frasco de cianeto. Eu gostava da efemeridade das cerejas.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990