Opinião
Pequenas obsessões
Há palavras que me irritam, temas que me despertam a ira, assuntos que me fascinam
Tenho uma amiga que envia emails frequentes às edilidades reportando o seu desagrado pelo estado – ou inexistência – de casas de banho públicas na cidade. Os emails são, também, de felicitações pelo bom estado das instalações sanitárias, ou por terem reaberto alguma instalação num local necessário.
Uma outra amiga tem uma irritação lexical. Quando ouve ou lê a expressão “fora da caixa” considera-a pretensiosa e oca. O argumento é que à força de tanto uso se tornou um chavão sem sentido, usado para parecer mais moderno. Portanto, incompatibilizou-se com o uso da expressão que lhe mexe com a paciência.
Há ainda um primo meu que é fascinado pelo número 7. Não que tenha um particular fascínio por futebolistas que tenham envergado tal camisola, nem que seja aniversariante num dia 7, ou em qualquer dia de Julho. Nem sequer que haja uma ligação cabalística ou numerológica a tal algarismo, já que ele é um devoto católico praticante.
Claro que estará o leitor a assumir que me esquivo a assumir estas pequenas obsessões ao colocá-las em personagens inventadas. Mas, asseguro que são pessoas reais - e confesso que as minhas pequenas obsessões são outras. Há palavras que me irritam, temas que me despertam a ira, assuntos que me fascinam de tal modo que consigo ficar horas a ler ou a conversar sobre eles.
Não haverá um documentário sobre mineiros de ouro no Alasca que eu não tenha visto pelo menos três vezes. Sentado no conforto do meu sofá, fico fascinado com a maquinaria pesada a esventrar a terra em locais inóspitos, revirando tudo em busca dos mais pequenos vestígios de ouro. Fico irritado com várias palavras e expressões: disruptivo, desenvolvimento pessoal, e mais recentemente gratidão. Deixam-me a revirar os olhos ou a resmungar pelo pretensiosismo vazio que representam.
Quando vejo filas sinto uma inexplicável vontade de voltar para trás: pensar que há um afluxo superior à capacidade do local que me vai obrigar a esperar deixa-me irritado e rabugento.
As pequenas obsessões de cada um são uma representação direta - através de pequenos fragmentos - da personalidade. Umas revelam os interesses e fascínios, outras revelam os ódios e desdéns. Mas a combinação de pequenas obsessões é única a cada indivíduo, e conhecer as obsessões é um meio de conhecer a pessoa.
Fazer amigos é encontrar obsessões compatíveis, ou compreender as pequenas obsessões do outro (olá, “maluca das casas de banho”!), de tal modo que conseguimos escarnecer, irritar-nos, ou fascinar-nos em conjunto.