Opinião
Uma fila ordenada
Atualmente há espaço mediático para um assunto de cada vez. Esse assunto (que precisa de gerar posições antagonistas fervorosas) é então debatido à exaustão, até ser espremida cada gota de emoção
Uma das características historicamente reconhecidas aos portugueses é a fraca qualidade das filas. Mal organizadas, pouco acatadas, as filas em que portugueses aguardam para fazer alguma coisa costumam ser caóticas. Compare-se uma paragem de autocarro em Portugal com uma num país nórdico e rapidamente veremos a diferença na organização e no respeito com que essa instituição é tratada: cada cidadão ordeiramente colocado atrás do precedente, usando essa mesma ordem para entrar no veículo e ocupar um lugar.
Em Portugal, há um aglomerado de pessoas que tentam ultrapassar cada uma das outras para chegar aos melhores lugares, independentemente da ordem de chegada. Algumas técnicas - já com algumas décadas - tentaram controlar este caos. As senhas nos talhos, supermercados, e repartições públicas, para além das fitas que delimitam as longas e serpenteantes filas em aeroportos. E, parece-me, estas décadas de ordenamento social começam a produzir efeitos; não em paragens de autocarros mas no debate mediático.
Atualmente há espaço mediático - e incluo aqui os meios de comunicação social e as redes sociais digitais - para um assunto de cada vez. Esse assunto (que precisa de gerar posições antagonistas fervorosas) é então debatido à exaustão, até ser espremida cada gota de emoção. Quando estiver mais seco que uma uva passa e não despertar mais do que um “ah, pois…” é substituído pelo próximo assunto. Mas, fundamental neste processo é a eficiência da fila: nada se atropela, nem há múltiplos assuntos: só um de cada vez, ordeiramente.
Esta escandinavização do espaço mediático torna tudo mais monótono. Enfim, das muitas características atribuídas aos povos escandinavos não consta que “animados” seja a mais frequente. Mas a cacofonia de assuntos que era possível discutir tornavam mais interessante uma conversa. Da mesma forma que a conversa era enriquecida se alguém dissesse “não tenho qualquer opinião sobre esse assunto, aliás, nem sei do que estás a falar!”.
Em suma, tenho saudades do caos mediático, do desalinho das opiniões, da imprevisibilidade dos temas. Sei que com esta crónica furo a fila ordenada de temas. Não tenho nada de útil para dizer sobre guerras, concursos de beleza, ou fiscalidade automóvel. Receio, até, que este desrespeito pelas novas regras do espaço mediático venha a imporme um rótulo de “antigo”. Mas, enquanto abraço o meu cruel destino, recordo-me por outro lado, que a personagem que ficou eternizada nos Lusíadas não foi o “Moderno do Restelo”…