Opinião

Mil coisas invisíveis

18 nov 2022 11:54

“A Balada de Tim Bernardes”, é tema épico e introspectivo em que ele (e nós) se caracteriza indomável e instintivo

Tim Bernardes (T.B.) oferece-nos um compêndio de canções portentosamente poéticas e existenciais, no mais recente álbum cujo título uso nesta crónica. O compositor brasileiro retorna com uma colecção delicada e muito bem orquestrada de temas, versando sobre «sofrência», mutações variadas de quem tem no coração o fito. É grave e melancólico o cardápio de ressonâncias, assentes no clamor minimal da alma.

Camadas de ímpar beleza, versos entoados num timbre vocal que ecoa no âmago de quem se respalda em oráculos, aspirando a gigantes declamações. Os poemas eclodem duma sinceridade que sustenta. Há constantes detalhes de «apelação» ao emocional partindo de «Fases», (re)começos e ciclos de frustração no amor e na vida. Uma abordagem lírica do fluxo da consciência acompanhada por texturas errantes que se desviam muito das típicas canções indie-folk.

T. reafirma, música após música, a arte exímia e subtil de combinar aspirações a ficar na história da música universal pelo seu dom inato de cantautor. Melodia claramente reconhecível como da sua lavra, rebaixa a ampla visão do mundo ao essencial: “Nascer, Viver, Morrer”. Esta 1.ª faixa do álbum, incorpora versos sobre vida, morte e renascimento numa tessitura introspectiva.

B. conecta-nos em temas minimalistas, ausentes de floreados composicionais, apenas pautados pela visão cristalina do que o move a dedilhar versos, ou em temas mais burilados que nos elevam a cenários oníricos de pertença a um lugar universal desamparado. Ecoa a relação entre íntimo e colectivo, onde o sujeito melancólico é detido. O álbum reúne temas políticos sobre o isolamento e globalização, equilibrando vagas fantasmagóricas com harpejos e voz que nos alentam. 

Surrealismo poético, aquilo que T. chama de “psicomagia”, recorrendo à concepção arte-terapêutica de A. Jodorowsky. Timbres vocais conduzem a música através de variações de intensidade, alternando entre sussurro, entoação encorpada ou falsete. Pequenos sinos pontuam mudanças de ritmo; arranjos espectrais pairam dentro e fora das cordas, relevando o profundo.

Em “Esse Ar”, um sintetizador silente entra e sai, adicionando um toque psicadélico à herança da bossa-nova. Em “BB (Garupa de Moto Amarela)”, intervala o jeito caprichoso de tocar viola com violino, imitando a alegria e o drama duma história de amor. Não há quaisquer dúvidas de onde provêm as influências, que não tem pudor em confessar: “acredito em Beatles”, na magistral “Mistificar”.

Outros temas, como “Falta”, soam mais descontraídos, dividindo cordas de nylon da fusão brasileira dos anos 60/70 com estratos vocais que, cruamente, nos oferecem vocalizos roucos. Não importa onde esboça o tumulto. T. rompe com a tradição: por meio de linhas de harmonia barroca e no jeito simples que irradia do abalo na realidade. Um prodígio do espanto intromete-se entre o «eu» e o mundo, sob o pretexto de reparar a «Falta».

“A Balada de Tim Bernardes”, é tema épico e introspectivo em que ele (e nós) se caracteriza indomável e instintivo. De um verso “da aflição e da angústia de ter que viver a vida inteira”, para outros “se os problemas vão e vêm eu quero vê-los com simplicidade, sinceridade // se a aparência falar alto que a verdade fale mais // que o peso da idade e do dinheiro não mate a beleza e a brincadeira// nem o meu brilho nos olhos de crescer e inventar”, embarcamos numa jornada sublime, transcendendo-nos na mistificação da atemporalidade. Porque a «Beleza é (E)terna».