Opinião

Mudanças

13 set 2022 21:45

Temos à nossa volta mais design do que pensamos

Agarrei na última caixa, que tinha coisas da outra casa.

Nesse apartamento cabia mais do que precisava e só havia lugar para o necessário.

O espaço esticou, dando lugar a uma necessidade diferente.

Sem entender como, aquilo que antes estava ordenado entrou em caos nas caixas de mudanças e voltou a reaparecer, pouco a pouco, no processo de desembalar, desempacotar e desencaixotar.

Seguindo uma lógica graduada que vai de indispensável a descartável, as coisas foram ocupando a nova casa.

Noutro apartamento onde os lugares estavam à partida predestinados foi no desenrolar dos pequenos gestos de arrumação e arranjo que estas coisas ganharam vida.

Tornaram-se parte de uma nova existência.

Para quem gosta de objectos, inamovíveis e inacessíveis por contacto humano, isto era evidente.

Está nas entrelinhas da disposição espacial a relação casuística das coisas.

São os significados que lhes atribuímos que completam o entendimento visual do que nos rodeia.

Dando-se o caso de ser comum na minha prática profissional este tipo de alterações e esta nova mudança de casa tomou a dimensão de um conjunto de acções, quase mecânicas e metodológicas, sentidas de uma humanística vontade de construir uma realidade habitável através de coisas.

Equipamentos como móveis, sofás, camas, e mesas.

Objectos decorativos como bibelots, recordações e peças de autor. Roupa, quadros, livros, etc.

Construímos os nossos habitats domésticos a partir destas coisas.

Tomam a forma cristalizada de memórias, momentos que de alguma forma associamos a esta ou aquela situação.

Se fugirmos do sentido pedante do “bom gosto” conseguimos atribuir um sentido próprio e genuíno ao sítio que habitamos através de coisas.

Assim é o design de produto, enquanto construtor destes universos, responsável pelo que Baudrillard diria ser o “sistema de objectos”.

Temos à nossa volta mais design do que pensamos.