Opinião

Não há histórias simples

17 set 2020 11:35

Porque os tempos em que vivemos são absurdos e assustadores por uma razão simples: a recusa da diferença.

A história parece simples: um pai defende que determinadas matérias não sejam abordadas em âmbito escolar e força os filhos a faltarem às aulas em questão; recusa as tentativas de conciliação que aparentemente existiram e defende que a disciplina em causa, por não corresponder às suas expectativas, seja facultativa; decide que o assunto passe a ser tratado nos tribunais; e considera que é legítimo colocar ainda mais pressão nos filhos tornando o caso mediático, arrastando-os para as televisões, usando-os como cromos de caderneta numa petição que entretanto surgiu.

Numa primeira abordagem, este caso até poderá parecer inofensivo (excepto para os miúdos envolvidos); quase anedótico.

No máximo, um pouco triste.

Passei por todas estas fases; mas acabei por chegar ao ponto em que dei por mim a pensar que este assunto poderia ser, afinal, paradigmático dos tempos absurdos e assustadores em que vivemos.

Porque os tempos em que vivemos são absurdos e assustadores por uma razão simples: a recusa da diferença.

Apesar de me repugnar a ideia geral de que os filhos são propriedade dos pais e, portanto, podem ser repositórios de tudo aquilo que lhes decidam impingir, é normal e necessário que os pais transmitam aos filhos as suas crenças, convicções e éticas.

Já não me parece normal que os pais impeçam os filhos de ter contacto com crenças, convicções e éticas diferentes das suas. O que aparenta ser o que acontece neste caso.

Um caso cada vez mais presente em todo o lado, em tantas vidas: pessoas que se fecham nas suas certezas absolutas e recusam o outro, pessoas que se entrincheiram num dogmático “eu contra os outros” ou “nós contra os outros”.

Como se a vida se pudesse resumir a fazer parte da claque de um clube de futebol; e a agir como se quem pertence a outra claque não mereça sequer existir.

Fui ler a petição que apela ao fim da obrigatoriedade de uma disciplina que tem a palavra “cidadania” no nome; tentar perceber aqueles que pensam diferente de mim.

Talvez a educação pública não me tenha ensinado a ler como deve ser, talvez não esteja a perceber bem a complexidade e a filosofia do texto; mas no meu jeito simplista, o que parece que a petição pretende defender resume-se a algo como “não concordo que o meu filho seja exposto a opiniões diferentes da minha”.

Assinam 4477 pessoas. Pergunto-me: será que estas pessoas não gostariam que os seus filhos pudessem ser expostos a todo o tipo de opiniões e depois fossem capazes de pensar por si, decidir por si, argumentar por si, viver por si?

Como poderá isso alguma vez acontecer se viverem fechados no interior da sua claque, apenas expostos a unanimismos absolutos?

Será que a estas pessoas o que interessa, afinal, é perpetuar a claque? Intensificar a separação? Conservar uma qualquer ideia de pureza ou superioridade?

Não, não acredito que seja isso; não quero ser preconceituoso, não quero fechar-me no interior de uma claque qualquer. Porque detesto claques. E desconfio das histórias que parecem simples.