Opinião
O caminho que nos faz
Os Pais ocupam o lugar mágico das descobertas, dos fascínios, e da admiração que para sempre farão parte das nossas lembranças
O meu pai ensinou-me o céu. Com o indicador, desenhava lá no alto as constelações apontando-me as estrelas com direito a nome, e eu seguia de boca entreaberta aquele ponteiro de carne e osso, e unha larga e bonita, o pescoço dorido de tanto olhar para cima, e fascinada com o tanto que ele sabia. Ouviam-se sempre os grilos.
Aos poucos, perdia a noção de ter os pés no chão e sentia a tontura do abismo estrelado em que o céu de repente se tornava. Cambaleante, olhava de volta o chão, aliviava com as mãos o pescoço dorido e humedecia os lábios secos com a língua, para voltar depressa para aquela maravilhosa imensidão.
O céu era um mundo de lonjura, de silêncio, de mistério e de inimaginável vastidão, que ele me explicava sem eu conseguir entender o que poderia ser o infinito. E quando me falava da via láctea enquanto olhávamos a esteira de luz esbranquiçada, eu sentia a Viagem, sem saber explicar o que sentia; era o longe, o muito longe; era o ir sem querer, ou poder, voltar; era o silêncio, a solidão, e um “para sempre” que eu sentia com algum susto, mas ao mesmo tempo me empolgava, sabia lá eu por que razão. Talvez, já na altura, pressentisse a minha yellow brick road de aventura e superação.
Depois de adulta, o meu pai mediava-me a Lua. Sabia sempre em que fase ela vivia, mesmo oculta pelas nuvens, e sempre sabia onde eu a encontraria, conforme a casa em que me encontrasse, nesta minha vida um pouco saltimbanca. “Agora não a podes ver, está atrás do teu prédio”, dizia-me a 186km de distância.
E se eu lhe contava que a tinha visto, gorda e brilhante, ao voltar para casa, certeiro adivinhava que “sim, viste-a quando saíste da rotunda, não foi?” E explicava o raciocínio com a hora, a estação do ano e os pontos cardeais. Distraída como sou, nunca mais me esqueci, no entanto, de que a minha Casa mãe, fica na direcção do Castelo; ou na direcção dos montes que se avistam da janela do meu quarto, sempre que estou noutro lugar, a 300 km da casa onde nasci.
O meu Pai era um ser de silêncios, de pensamentos, e de afectos, e tinha na minha Mãe, de quem eu teria também muito para contar, uma estrela do Norte. Ambos atravessaram o céu que foram construindo de uma forma que nos serviu, aos três filhos, também de guia.
E se tudo isto, tão pessoal, é hoje o assunto que aqui trato, é por ser este dia em que escrevo o que assinala o meu nascimento e num dia assim valer a pena pensar no caminho que vamos percorrendo, na forma como o fazemos, e em quem nos ajuda, nos influencia, ou nos pode guiar.
Os Pais ocupam o lugar mágico das descobertas, dos fascínios, e da admiração que para sempre farão parte das nossas lembranças, e do que seremos depois, como adultos. E como adultos precisamos de o colocar em prática quando chegue a nossa vez de ser uma presença que conte para a vida de quem nos rodeia.
Os outros são o melhor que a vida nos pode dar e precisamos de ter consciência do muito que podemos fazer pelo ânimo, pela alegria, pelo consolo, pela resiliência, pelas descobertas e pelas recordações de quem vive perto das nossas vidas.