Editorial
Quebrar o galho
Há associações a atravessar grandes dificuldades de renovação, por falta de candidatos dispostos a dar continuidade ao trabalho desenvolvido ao longo de décadas
A história é real. Durante uma celebração religiosa, nos confins da Guiné-Bissau, o sacerdote que presidia à eucaristia supreendeu os fiéis, quando, a meio da homilia, os convidou a saírem da pequena capela, a colherem um galho e depositá-lo em frente ao altar.
Restabelecido o clima de silêncio e recolhimento, o padre pegou num galho e partiu-o a meio, sem dificuldades. Depois, tentou fazer o mesmo com o molho de ramos secos, mas sem sucesso. E completou o sermão, usando esta imagem para reforçar a ideia de fragilidade de uma pessoa isolada, em contraponto com a capacidade de resistência, quando uma comunidade está unida.
Vem isto a propósito do trabalho de abertura deste jornal. As associações desportivas, culturais e recreativas desempenham um papel crucial na promoção da coesão e bem-estar social, reforço da identidade comunitária, preservação de tradições, transmissão de valores e estímulo à criatividade. E, na nossa região, é bem evidente a dinâmica associativa. Porém, como em tudo, não estamos imunes à mudança dos tempos e das vontades.
Como se pode constatar pelos testemunhos recolhidos, há associações a atravessar grandes dificuldades de renovação, por falta de candidatos dispostos a dar continuidade ao trabalho desenvolvido ao longo de décadas. E as direcções cessantes, que antes foram símbolos de originalidade, determinação e perseverança (como um molho de galhos), sem aspirantes à sucessão, apresentam agora sinais de cansaço, desânimo e debilidade, como se fossem um galho isolado à espera de ser quebrado.
Em alguns casos, as razões deste afastamento colectivo podem estar relacionadas com a falta de comunicação eficaz com as novas gerações ou com a escolha de projectos menos atractivos, mas não será de ignorar também o facto da sociedade em geral estar cada vez mais virada para o seu umbigo e alicerçada no individualismo. E assim não há galho que resista.