Opinião
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É crucial o retorno às origens da ética, ao “amor pela sabedoria” contido nas reflexões essenciais sobre a existência, difundidas pela Filosofia
A passagem do Evangelho ‘nós adoramos o que sabemos’ (João, 4,22), indica que o vínculo ao conhecimento é um acto orgânico. Esse nexo de causalidade não tem nada de místico. Ao invés, remete para um contexto que nos é próximo, lugar conjuntural relativo à vida de todos os Homens.
A ideia, em si mesma, é basilar para o sentido de orientação no mundo. Porém, é paradoxal e perversa. Sobretudo, quando o mundo se tornou numa máquina sistémica, de controlo induzido, forçando o recuo de democracias, difundindo pseudoconhecimento e ‘pós-verdade’, assumindo ‘percepções’ convencionais e incitando à alienação global.
É como se a integridade perdida reencarnasse sob a forma de um ‘motor de busca’ que atrai para a órbita todas as formas de cultura e política, elas que padecem duma gritante crise de valores e ausência de ordem, que o panorama vigente, abalado pelos proveitos das guerras, do aventureirismo e populismos, torna numa realidade.
Diz Philippe Dewost (autor sobre temáticas antropológicas da pós-revolução digital): “Elon Musk assume que as únicas leis que tentará não violar são as da física”. É crucial o retorno às origens da ética, ao “amor pela sabedoria” contido nas reflexões essenciais sobre a existência, difundidas pela Filosofia.
Nos ensaios «Conta-Corrente», Vergílio Ferreira (V.F.), já afirmava que “vivemos na época do fragmento”, pois “a solidez de uma vida una e coesa não se coaduna com o nosso tempo”, e “cada faculdade, posta em desuso, chega ao desuso maior que é deixar de existir”.
O autor incita à desobediência. Como, aliás, fez Etienne de la Boétie no intemporal “Discurso Sobre a Servidão Voluntária”, hino à liberdade escrito em 1563, no qual censura a legitimidade dos governantes, manifesto cuja intensidade de cometa cruzou séculos, ao revelar como o poder assenta na obediência consentida dos oprimidos.
Declarava V.F.: “a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros”. “Diz não à cultura com que queiram promover-te, (…) porque a cultura não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres (…) em toda a tua plenitude”. “Diz não a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Sermos todos irmãos não é ordenarmo-nos em gado sob o comando de um pastor”. “Ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem, mas despromovido a animal”. Ser-se Homem é coisa custosa. “Não queiras saber tudo. Deixa um espaço livre para te saberes a ti”.