Opinião

Travar a morte da história

18 abr 2019 00:00

A recente escalada de preços no sector imobiliário tem levado também muitos estabelecimentos a encerrar por incapacidade de pagarem o que os senhorios

A lei que prevê o reconhecimento e protecção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social só peca por tardia.

Há anos que, um pouco por todo o País, se vem assistindo ao encerramento de inúmeros estabelecimentos que faziam parte da identidade dos diferentes territórios, mas que, apesar de interessantes sob diferentes perspectivas, acabaram por sucumbir à pressão das grandes superfícies e das cadeias comerciais.

A juntar a essas dificuldades, a recente escalada de preços no sector imobiliário tem levado também muitos estabelecimentos a encerrar por incapacidade de pagarem o que os senhorios exigem, que têm a expectativa legítima de aproveitar o boom provocado, principalmente, pela procura turística.

Ou seja, em duas décadas o comércio português perdeu diversidade e identidade, sendo hoje dominado por uma dezena de grandes insígnias, que oferecem aqui o mesmo que em qualquer outro país e que alcançaram tanto poder que ditam as regras aos fornecedores e mesmo aos clientes.

É verdade que muitos estabelecimentos encerraram porque não tinham qualidade, não se modernizaram, não investiram, não tentaram perceber o que os clientes desejavam. Esses, os que pararam no tempo, não farão muita falta, podendo-se mesmo dizer que fecharam, exclusivamente, por culpa própria.

Outros houve, no entanto, que apesar do esforço não tiveram capacidade para combater a concorrência dos grandes grupos económicos, mas também do advento das compras online, acabando por ceder e deixar um vazio difícil de preencher, tornando as cidades mais pobres e pouco distintas, menos interessantes e atractivas.

Só em Lisboa, por exemplo, encerraram 120 lojas históricas desde 2015, entre elas as famosas Pastelaria Suíça, a Paris em Lisboa, a Livraria Aillaud & Lellos ou a pastelaria Biarritz, havendo outras em situação difícil que, ironicamente, até integram a maioria dos guias turísticos sobre o nosso País, como é o caso da Ler Devagar, na LX Factory.

Será para salvar o que resta desse comércio que surge agora esta medida, que se espera que saia rapidamente do papel e que contemple o acesso a apoios relevantes, com capacidade de impacto.

Se assim não for, dentro de algum tempo, perderemos boa parte das razões pelas quais os turistas nos visitam, pois seremos cada vez mais iguais aos outros, sem o genuíno, a identidade, o arrojo e as tradições.

E, pior, nós próprios, os que temos a sorte de viver em Portugal, seremos cada vez mais formatados e desprovidos de memórias. 

*director