Entrevista

Luís Conde Bento: “A Inteligência Artificial é inevitável na indústria, no Direito, nas Finanças ou na Saúde”

16 mai 2024 15:00

Especialista em Inteligência Artificial. O docente do Politécnico de Leiria explica o que podemos esperar nos próximos tempos desta revolução

Luís Conde Bento
Ricardo Graça
Jacinto Silva Duro

Como começou o seu interesse pela área da Inteligência Artificial (IA)?

No tempo em que estive a fazer o mestrado já havia uma disciplina chamada Controlo Inteligente, e já havia algumas unidades curriculares que integravam componentes associadas à IA. Foi mais ou menos nessa altura, aproximadamente em 2003 ou 2004, que me comecei a interessar, apesar de a IA que conhecemos agora ser diferente. O meu percurso académico foi na área da robótica e, no meu caso, a IA foi uma coisa natural. Para resolver alguns problemas, havia necessidade de aplicar o que, na época se chamava Expert Systems - sistemas inteligentes -, sendo que agora a tendência tem sido a aplicação de uma nova tecnologia chamada Deep Learning ou aprendizagem profunda. É a sequência natural. Não há propriamente uma transição de um tipo de solução para o outro. Como tudo na ciência, é cumulativo.

Neste momento, em que áreas está a trabalhar?

Estou a trabalhar em vários domínios, entre eles a condução autónoma. Um deles tem que ver com a identificação do espaço ocupado ou livre à frente de um veículo, aplicando redes neuronais na fusão sensorial de câmaras e LiDAR, para conseguir perceber, com fiabilidade e eficiência, as áreas livres e disponíveis para serem atravessadas. Outra área, onde estou a trabalhar é a Inteligência Artificial aplicada à Internet of Things (IoT), que é uma tecnologia que vai estar disseminada por todas as casas, indústrias, entrou outros casos. Contudo, os modelos de redes neuronais que utilizamos para a condução autónoma ou o Chat GPT, não cabem nesses dispositivos e há razões, como a segurança, que fazem com que seja racional colocá-los nestes dispositivos IoT. Não faz sentido transmitirmos dados domésticos para um servidor, para depois serem processados para haver interpretação e conclusões e depois enviá-los de volta. Quando os dados estão a transitar há um risco de segurança. Também por uma razão de largura de banda, não faz sentido transmitir todos os dados em vez de reduzirmos a quantidade e também por questões de eficiência energética. Por exemplo, se tivermos um sensor de temperatura, ele não precisa de enviar informação para os servidores para saber que é preciso ligar o ar-condicionado de uma forma inteligente. Podemos fazê-lo com um pequeno processamento com IA e avaliar o perfil de temperatura que costuma existir numa casa, os padrões de utilização da pessoa, que pode preferir aquecer mais à noite ou durante o dia e até utilizar informações da produção de energia eléctrica. Pode haver um "racional" que é difícil de interpretar por um sistema simples, mas onde uma pequena rede neuronal a correr localmente, pode identificar as pequenas nuances. Para isto acontecer, é necessária muita engenharia por trás. É preciso conseguir reduzir os modelos e torná-los suficientemente exactos, mas sem serem de tal maneira computacionalmente pesados que não possam correr nos dispositivos IoT. Eu e a minha colega, a professora Mónica Figueiredo, temos participado nas competições DCASE - classificação de cenas acústica usando só um segundo de áudio, onde com apenas com esse segundo se pode distinguir se a pessoa se encontra num aeroporto, num centro comercial, dentro de um metro ou junto a uma estrada, utilizando uma rede neuronal que cabe num microcontrolador idêntico aos que se encontram em máquinas de café.

O problema é definir o que é a IA
Luís Conde Bento

E que mais?

Também tenho trabalhado em interpretabilidade, que é um dos problemas que a comunidade científica está a resolver. Isto é, a razão pela qual um determinado modelo de rede neuronal tomou uma determinada decisão. Assumimos e recebemos um conjunto de dados, aplicamos esses dados, geramos um modelo, fazemos os testes para verificar se os resultados têm o nível de exactidão desejado, e depois mandamos para uso. Vou dar um exemplo de um caso do Direito. Se submeter uma análise de um crime, e o interpretador, o Chat GPT, devolver um conjunto de recomendações, linhas de direcção ou uma estimativa de reincidência, qual foi o raciocínio que esteve por trás para se tomar aquela decisão? É muito importante sabermos isto, para identificar se há enviesamentos, por exemplo, na construção do próprio modelo. A área da Medicina também já usa IA para fazer o desenvolvimento de novas fármacos e de interpretação de dados de saúde. Mas quem é que são os principais beneficiados das novas terapias criadas? São homens, de meia-idade, caucasianos. Porquê? Porque os “data sets”, os conjuntos de dados que estão disponíveis, são essencialmente, os cobrem esta população. Se for de outro grupo que não este, o retorno do uso dos fármaco não é maximizado. A interpretabilidade, o perceber do porquê da tomada de decisão, é fundamental e importante para podermos adaptar os modelos e fugir dos enviesamentos, que até podem ser podem ser maliciosos e, intencionalmente, introduzidos no sistema. No treino do sistema, pode haver uma intenção de criar um modelo de rede neuronal que, nativamente, já tem um viés. No entanto, na maior parte das vezes, isso acontece de forma não deliberada.

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