Economia

Almadesign desenha futuro da mobilidade

30 dez 2023 14:00

Rui Marcelino, fundador e CEO da Almadesign, fala sobre os factores que têm feito singrar esta empresa, onde a inovação acontece através do design. Aeronáutica é um dos sectores onde mais se tem destacado

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Aeronáutica é uma das áreas de actuação da Almadesign
DR
Daniela Franco Sousa

Almadesign é hoje um nome incontornável na inovação, ao nível do design, com projectos disruptivos no âmbito da mobilidade, distinguidos com vários prémios internacionais.

Rui Marcelino, fundador e CEO, integra a equipa de 14 pessoas que compõem actualmente esta empresa, que tem registado um volume de negócios de cerca de um milhão de euros, graças às soluções diferenciadoras que tem apresentado no mercado nacional e no mercado externo, no domínio aeronáutico, rodoviário, ferroviário e náutico. Ao JORNAL DE LEIRIA, o CEO da Almadesign fala sobre as conquistas e os desafios que se colocam a esta empresa de perfil inovador.

Além do design de transportes e produtos, a defesa, adianta, é também uma das áreas onde esta casa já tem colaborado e onde, acredita Rui Marcelino, existem oportunidades para crescer. E tão melhores serão os resultados, quanto mais forte for a cooperação entre a área civil e a área militar, com vantagens para ambos os lados, entende o fundador da empresa.

A Almadesign nasceu há 26 anos no concelho de Oeiras, mas abriu escritório em Óbidos há cerca de oito anos, impressionada pelo dinamismo que nessa altura já marcava o concelho, e onde encontrou também maior proximidade com os seus parceiros industriais da zona da Marinha Grande (como a SET, a CODI ou o CENTIMFE) e de Caldas da Rainha.

Primeiro esteve instalada no Convento de São Miguel das Gaeiras e actualmente no Óbidos Parque.

Dos autocarros que já rodam aos aviões do futuro

Para Rui Marcelino, todos os projectos são quase “como filhos”. E a Almadesign já tem uma descendência razoável destacada em diversos sectores. “Neste momento, na área da mobilidade (que representa 75% da nossa actividade), desenvolvemos soluções na área aeronáutica, na área ferroviária, na área rodoviária e na área náutica. Em todas as áreas da mobilidade, estamos a trabalhar em produtos baseados em energias renováveis ou em produtos mais sustentáveis do que os actuais.”

“No domínio da náutica, estamos envolvidos, por exemplo, num projecto de um ferryboat eléctrico para fazer a travessia entre Aveiro e São Jacinto (apresentado a 26 de Outubro) e trabalhamos com uma empresa da Nazaré na produção de homeboats”, aponta o fundador da Almadesign.

“Estamos a trabalhar na área rodoviária, principalmente com a Caetanobus, que é nosso cliente há mais de 27 anos, e com quem desenhamos produtos, como o BRT do Porto, o COBUS eléctrico, para os aeroportos de todo o mundo, ou os autocarros eléctricos que rodam nas cidades do Porto e de Lisboa”, refere o CEO, apontando que são vários os projectos que a empresa tem em mãos, onde se desenvolvem autocarros movidos a energias alternativas, seja a hidrogénio ou eléctricos.

“Na parte ferroviária, desde há alguns anos trabalhamos quer com a EMEF, quer com a CP, em diferentes projectos rodoviários como o interior do comboio Alfa Pendular. Temos trabalhado também para algumas empresas ferroviárias internacionais, ao nível do interior e exterior de comboios”, prossegue o CEO.

“Quando os operadores nacionais confiam nas empresas portuguesas para desenhar os seus produtos/serviços - como foi o caso da TAP, quando desenhamos os actuais interiores de cabina - é muito mais fácil conseguirmos chegar a mercados internacionais. Quando tentamos vender produtos e serviços lá fora, é natural que nos perguntem sobre o que já fizemos. Portanto, estes projectos nacionais são cartões de visita que nos permitem criar credibilidade para fazer projectos fora de Portugal”, refere.

“Já na aeronáutica, que há 13 ou 14 anos representava zero em termos de volume de facturação, é hoje a nossa área mais forte. Desenhamos interiores de aviões totalmente eléctricos com a Eviationou, interiores de aviões de descolagem vertical com a Embraer. Não são propriamente carros voadores, mas não estão muito longe disso. E estamos a trabalhar com a TAP não só nos interiores dos aviões, como também nas zonas de acolhimento dos passageiros”,  adianta o responsável.

Rui Marcelino especifica ainda os projectos desenvolvidos com parceiros internacionais. “Na aeronáutica, já colaboramos com a Embraer, com a Mitsubishi, com a Airbus ou com uma empresa francesa que está a desenvolver um avião a hidrogénio”. “E já tivemos contactos e colaborações com várias empresas integradoras ferroviárias a nível mundial. O que nos dá uma alavancagem de promoção internacional, que há cinco anos era muito menor”, compara.

Os prémios que têm sido conquistados também contribuem para o prestígio da Almadesign, dentro e além-fronteiras, verifica Rui Marcelino. “Só para referir alguns exemplos, recebemos o Red Dot Design Award, em dois projectos com a Efacec, e no projecto do interior do avião eléctrico, Alice. O Red Dot é provavelmente dos prémios de design mais reconhecidos a nível Internacional. Com o consórcio LIFE, ganhamos o Crystal Cabin Award, em 2012, no projecto que fizemos com a Embraer. Nessa altura poderia parecer que o prémio foi atribuído por ‘acidente’, já que ganhámos em concorrência directa com gigantes como a Airbus e Zodiac. Mas quando voltámos a ganhar, em 2020, com o interior da aeronave Alice, percebeu-se que não tinha sido um acaso… Com mais de 20 prémios de reconhecimento nacional e internacional, acho que se criou uma imagem de credibilidade do que fazemos na Almadesign e com os nossos parceiros, em consórcio”, salienta o responsável.

Acerca das vantagens de desenvolver projectos em consórcio, Rui Marcelino não tem dúvidas sobre os conhecimentos e os contactos positivos gerados a partir deste trabalho em rede. “Quando se faz um projecto de inovação, por vezes financiado por programas nacionais ou europeus, conhecemos sempre parceiros novos e as empresas com quem achamos que podemos vir ou não a colaborar. Acima de tudo, aprendemos muito sobre ciência, tecnologia, processos e relações entre pares. E, de todos os projectos de I&D em que participámos, acabaram por sair sempre oportunidades para desenvolver produtos mais à frente. Produtos que foram fruto desses projectos ou novas solicitações, que surgiram porque os parceiros confiaram em nós”.

“Quando às vezes se diz que projectos destes são só uma forma de financiar as empresas, que depois o desperdiçam, o nosso track record prova o contrário. Não é imediato: quando se conclui um projecto de I&D não se inicia logo uma produção. Mas frequentemente, dois ou três anos depois desse investimento, estamos envolvidos em projectos competitivos, com base no que geramos, nas relações que construímos e nos novos conhecimentos que adquirimos. Isso para nós tem um valor multiplicador excepcional daquilo que é a participação em projectos de I&D”, realça o CEO.

Em Portugal é possível encontrar capital que financie a inovação, acredita o empresário. “Há muitas soluções. E a prova disso é que, durante toda a existência da Almadesign, trabalhamos sempre em projectos de desenvolvimento de novos produtos. Temos sempre inovação naquilo que fazemos, financiada pelos nossos parceiros. E se na primeira metade da vida da Almadesign operamos sempre com capitais próprios, das empresas com quem colaboramos, desde há cerca de uma década as empresas ficaram mais familiarizadas com o recurso a financiamentos externos para alavancar actividades de I&D. Isso permitiu que a nossa actividade também crescesse. Porque existindo forma de multiplicar o investimento em I&D, é possível inovar mais. E aqui, o papel do Estado como incentivador, é fundamental”, constata.

“Noto também que, para algumas das empresas com quem colaboramos, somos o seu Departamento de Inovação e Desenvolvimento. Ou seja, estas empresas recorrem à Almadesign para fazer desenvolvimento de novos produtos porque esta actividade não é algo que aconteça todos os dias com a mesma intensidade. Somos um departamento de inovação a que se recorre quando há uma solicitação mais intensa, porque é necessário ter uma equipa preparada para responder rápido e eficazmente”, acrescenta o responsável.

Captar os melhores num mercado global

Este trabalho de inovação só tem resultado em sucesso, porque a equipa integra recursos humanos de grande competência, entende o fundador da Almadesign. “Neste capítulo, tenho a vantagem de continuar ligado ao universo académico, como professor associado da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa. Tenho ex-alunos a trabalhar na Almadesign há mais de 16 anos. E mais de metade da equipa da Alma foram pessoas com quem contactei como formador ou professor e de quem conheço, para além das competências de design, a parte mais importante: as soft skills. Estas competências são, para mim, a parte mais crítica de qualquer contratação”, considera Rui Marcelino.

“Bem sentimos que há uma pressão grande de outras entidades para virem buscar os nossos colaboradores ou deles próprios quererem sair para trabalhar fora de Portugal, onde os ordenados são o dobro ou o triplo daquilo que se paga aqui. O que é que pode pesar para o nosso lado? Primeiro, temos um ambiente de trabalho e projectos desafiantes que são muito positivos e motivam as pessoas. E depois, temos a qualidade de vida portuguesa. Mas reconheço que, por vezes, tal não chega para manter todos os colaboradores, e tivemos alguns casos, nos últimos dois ou três anos, de pessoas que saíram para ofertas que vinham do exterior, e que não tínhamos qualquer forma de acompanhar”, admite.

Ainda assim, “o facto de termos aumentado a componente de internacionalização, que neste momento anda à volta de 60%, permitiu-nos trabalhar com margens maiores e fazer um maior ajuste do que podemos remunerar. Mas quando estamos sujeitos às regras e aos valores do mercado nacional, os valores são baixos e muito espremidos.” Em suma, considera Rui Marcelino, a chave de sucesso na inovação neste caso passa pela equipa da Almadesign, sendo a empresa o canal através do qual o trabalho dos colaboradores chega à luz do dia; a ligação à academia, “que permite entender melhor as necessidades de investigação e antecipar o que pode fazer sentido para a Almadesign e para o mundo”; e o “envolvimento em clusters sectoriais e de inovação, como é o caso da Cotec, da AED, da PFP ou da Forum Oceano onde encontramos a rede de parceiros para fazer inovação”.

“Para mim, a inovação acontece mais facilmente quando trazemos pessoas e competências diferentes para dentro de um processo. Porque caso contrário, quando tudo é feito sempre pelos mesmos actores, o resultado tende a ser sempre o mesmo”, observa.

Futuro passa por produções de nicho

Questionado sobre o género de indústria automóvel que Portugal deveria captar, Rui Marcelino entende que uma aposta na produção automóvel em massa seria difícil. “Porque ela está bastante distribuída na Europa e há concorrência asiática e noutras partes do mundo para produções em grande escala. Nessa medida, teríamos dificuldade em ser competitivos. Temos de ir pelos produtos de nicho,  seja produto da área automóvel, rodoviária, aeronáutica, náutica ou ferroviária. É verdade que quantos mais OEM trouxermos para Portugal, melhor.

Mas eu diria que temos vantagens em segmentos muito específicos. Por exemplo, na área dos aviões de descolagem vertical, dos autocarros ou das embarcações movidas a energias alternativas, podemos ter cartas para dar. Tal como na área da Economia do Mar/Azul. Pelo contrário, concorrer em grandes mercados com produtos generalistas, pode ser uma pior estratégia”, considera o CEO.

“Quanto à defesa, estes últimos dois ou três anos têm sido fortíssimos nessa área, infelizmente devido aos conflitos que têm acontecido à nossa volta. Neste momento, a indústria da defesa é uma oportunidade que a indústria nacional não pode desprezar, até pelo conhecimento e experiência que se gera para futuros produtos na área civil”, verifica.

“Nós temos feito algumas colaborações pontuais com a defesa na parte da logística e factores humanos. Por exemplo, nas áreas da Marinha ou da área da Força Aérea, as equipas e com quem contactamos são mais voltadas para a inovação e têm uma maior facilidade em interagir com a indústria. Têm necessidades muito específicas que dependem de um universo de utilizadores muito concreto. Portanto, nestes projectos, as conquistas são rápidas. São parceiros para quem é necessário satisfazer uma necessidade muito bem definida. E o facto de terem equipas bem preparadas para trabalhar, permite que a inovação e as soluções desenvolvidas possam rapidamente migrar para projectos na área civil. Isto funciona assim noutros países, como os Estados Unidos, a Suécia ou Israel, há muitos anos”, lembra Rui Marcelino.

“Dando como exemplo as aeronaves de descolagem vertical, em que temos trabalhado recentemente, o facto de a Marinha disponibilizar uma zona livre tecnológica (ZLT) para fazer experimentação de produtos deste género, permite que eles cheguem mais rapidamente ao mercado do que se estivermos à espera de que as entidades civis se entendam sobre os aspectos de regulamentação.

Em Portugal, a Marinha Portuguesa já criou a primeira Zona Livre Tecnológica (Infante D. Henrique), onde é possível testar veículos que habitualmente não podem ser testados em zonas públicas. É uma colaboração da área civil com a área militar, que não tinha tradição no nosso País, e que agora traz vantagens para os dois lados”, defende. “Como em todos os projectos de design em que a Almadesign participa, a colaboração intersectorial é, na maior parte dos casos, a verdadeira chave da inovação”, realça.