Sociedade
Ana Rita, o espírito de missão e o medo de levar o vírus para casa
Enfermeiros, médicos, bombeiros, farmacêuticos, polícias, mas também caixas de supermercado, agricultores ou motoristas. As profissões de maior risco que continuam ao serviço nos locais de trabalho
Para além dos médicos, que estão na primeira linha do combate ao novo coronavírus, outros profissionais mantêm actividade no actual contexto de pandemia e enfrentam riscos acrescidos. A quarentena não é opção para os trabalhadores de funções essenciais no funcionamento do Estado e dos principais serviços públicos (polícias, bombeiros, enfermeiros, entre outros) ou sectores indispensáveis da economia (por exemplo, farmacêuticos, motoristas, caixas de supermercado, agricultores). Contactam com o público, frequentam ambientes mais expostos, mas mantêm o espírito de missão e procuram proteger os familiares com cuidados redobrados.
“O que já falámos cá em casa, porque temos um duplex, é eu ficar na parte de cima, que tem casa de banho e quarto, e o meu marido e os meus filhos continuarem a viver na parte de baixo”, diz Ana Rita Lopes, enfermeira de Leiria a trabalhar na pediatria do Centro Hospitalar do Médio Tejo, em Torres Novas. É o “plano de contingência” doméstico, se surgir algum caso de Covid-19 na unidade de saúde.
O caminho para Torres Novas é agora percorrido noutro estado de espírito. “Temos de ir para ajudar quem precisa, por outro lado [vamos] com medo do que trazemos para casa”, explica ao JORNAL DE LEIRIA. “Há sempre medo, porque todos temos filhos”.
Máscaras e batas descartáveis são actualmente equipamento obrigatório em todos os momentos no hospital e as rotinas de higienização, que já existiam, foram reforçadas, também com a preocupação de diminuir o potencial de contágio fora do trabalho. “Antes tomava banho em casa, agora não saio do serviço sem tomar banho”.
Em tempos de quarentena, voluntária ou obrigatória, os portugueses confiam no sector agrícola para continuar a encher a despensa e o frigorífico. E os agricultores do distrito de Leiria fornecem boa parte dos frescos que se consomem na região. Ivo Pedrosa quer manter a actividade no campo, para ajudar a garantir a produção alimentar de que o País necessita. As novas colheitas estão a começar: “Já estamos a preparar as terras”.
No terreno, os riscos de contágio são aparentemente reduzidos – “somos nós e a nossa horta, em termos de produção não mudou muita coisa” – e no escoamento dos hortícolas através das redes de produtores a que está associado, Ivo Pedrosa adianta que há menos contacto e pessoas envolvidas na preparação dos cabazes e noutras tarefas. “Com muito cuidado, com todas as limitações que são impostas pela DGS [Direcção Geral de Saúde). Não temos teletrabalho, mas temos muitas regras que não podemos ignorar”.
As encomendas – entregas ao domicílio ou em pontos fixos na cidade de Leiria – continuam a chegar, à procura de produtos frescos que “vão da terra directamente para o consumidor, não passam por intermediários”. Ou seja, “mais seguros”.
Na secção da Freixianda dos Bombeiros Voluntários de Ourém, a coordenação está entregue a José Brito, que por estes dias se divide entre o voluntariado e o trabalho numa empresa de climatização. Com “espírito de missão” e com regras apertadas para manter o coronavírus à distância.
“Todos os minutos estamos a mudar procedimentos” e “a própria abordagem às pessoas que necessitam de cuidados”, afirma. E em casa também há mudanças. “Tiro a roupa na garagem, fica logo para lavar, entro e vou tomar banho”.
As chamadas do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) passam a incluir informação para os bombeiros destacados na ocorrência sobre casos suspeitos de Covid-19.
“Da parte do INEM e dos nossos superiores vamos recebendo actualizações [sobre a pandemia e boas práticas] várias vezes ao dia”, refere José Brito. Nas mensagens que transmite aos subordinados, também prefere pecar por excesso do que por defeito. O lema é claro: “Protejam- se a vocês e estão a proteger os vossos”.