Abertura

As teias da lei nos maiores escritórios de advogados

5 mar 2020 16:27

Dos 32 mil inscritos na Ordem, só uma elite chega aos lugares cimeiros nas principais sociedades a operar em Portugal. E são ainda menos os que saem de Leiria para o topo da profissão.

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Pedro Duro, sócio na CS Associados
Ricardo Graça

Ganham muito acima da média e convivem com a elite das empresas e do sistema de Justiça. Pedro Duro representou a Refer no processo Face Oculta, Pedro da Quitéria Faria desafiou e derrotou a Ryanair, Ana Pedrosa-Augusto defendeu interesses da cantora Madonna, Ricardo Guimarães afirmou-se na multinacional Linklaters. Em comum, têm a juventude vivida em Leiria e uma carreira nos principais escritórios de advogados em Portugal, onde já gozam do estatuto de sócios.

Antigo seminarista e escuteiro em Leiria, Pedro Duro escreve na Sábado online e é presença regular na televisão, a comentar os e-mails do Benfica ou a queixa de Kathryn Mayorga contra Cristiano Ronaldo. Sobre o Football Leaks, por exemplo, nota que hacker não é o mesmo que whistleblower e lembra que a nulidade de provas obtidas por meios ilegais visa proteger os cidadãos de potenciais abusos dos investigadores. Também aparece nos ecrãs e nos jornais como advogado da ex-presidente da Raríssimas, Paula Brito e Costa, e da Adubos de Portugal, acusada pelo Ministério Público no surto de legionella de Vila Franca de Xira.

Foi, precisamente, um processo mediático que o convenceu a não mais despir a toga – o Face Oculta, em que estava na bancada da Acusação, pela Refer. “Esse julgamento, que eram quatro dias por semana em Aveiro, durante praticamente um ano, deixou-me marcas fortes do que significava ser advogado”, explica ao JORNAL DE LEIRIA. Ainda aceitou o convite de Assunção Cristas para Inspector-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território mas, em 2015, ingressou na Campos Ferreira Sá Carneiro – CS Associados, onde é sócio na área de Contencioso e Arbitragem, Penal, Contra- Ordenações e Compliance. A sociedade, com sede em Lisboa, facturou 9 milhões de euros em 2018, de acordo com a publicação internacional Iberian Lawyer.

Quando o País inteiro está atento, há dois julgamentos em simultâneo – um dentro do tribunal, outro fora. “É uma tentação grande fazer a defesa pública porque muitas vezes as pessoas ficam, irremediavelmente, com o nome na lama”, reconhece Pedro Duro. “Até agora não tenho tido casos em que entenda que se justifique. Bem pelo contrário, entendo que eles [arguidos] devem desaparecer da cena mediática, para poderem reconstruir a vida e dedicar-se por inteiro ao processo sem deixar de viver, porque os processos às vezes demoram 10 anos e as pessoas têm de continuar a trabalhar, a educar os filhos, a ter uma vida normal”.

Pedro Duro, que tem no currículo outro escritório do top-20 em Portugal, a Sérvulo & Associados, trabalhou como jurista na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e foi director-adjunto do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça. Está acostumado a defender as maiores empresas, algumas do PSI-20, perante o Ministério Público ou junto dos reguladores, como a Anacom, o Banco de Portugal e a Autoridade da Concorrência, entre outros, em circunstâncias delimitadas por coimas de milhões de euros. Ou seja, sabe o que é estar do lado dos odiados. “É muito importante termos advogados para todos os quadrantes e também é importante termos advogados para os mais odiados, sejam eles responsáveis ou não, porque no meio há muita gente inocente, ou pelo menos que não tem a responsabilidade toda que lhe é atribuída”. O que o leva à conclusão: “Tenho a sorte de me pagarem para fazer uma coisa que adoro, que é precisamente pegar em processos difíceis, uns ganham-se outros perdem-se, mas tentar desmontá-los o mais possível para encontrar uma solução que no início as pessoas diziam que não era possível”. Ou seja, “esses casos são os que têm mais graça, em que está tudo contra nós”.

Pedro Duro quis ser astronauta e padre, mas, aos 45 anos, o cartão de visita indica que actua em Direito Penal e Sancionatório, o que também significa atender o telemóvel quando as pessoas “só querem desabafar”. Garante que o mediatismo da Justiça vale zero na sala de audiências. “Não acho que um juiz se deixe impressionar por um advogado mais conhecido, aliás, acho que um advogado mais conhecido normalmente tem um problema com o juiz, porque o juiz fica mais defensivo”. Para sobreviver nas maiores sociedades de advogados, saber lidar com os clientes é requisito obrigatório. “São muito exigentes, quando vão a um escritório grande esperam um serviço de grande qualidade, pagam muito para ter esse serviço de qualidade, portanto o mínimo que esperam das pessoas é que elas estejam disponíveis para eles e façam as coisas bem feitas”, afirma. “Temos de ter a capacidade de explicar porque não é de determinada maneira e tem de ser de outra. E às vezes não é fácil, sobretudo com clientes mais sofisticados, pessoas que têm inteligência e uma cultura bastante transversal”.

Contra a Ryanair, marchar

Pedro da Quitéria Faria, sócio na Antas da Cunha Ecija, acredita que a luta pelos melhores está a intensificar- se. “A concorrência no recrutamento e retenção de talento é hoje muito mais feroz”, assegura, antes de sublinhar a importância dos chamados benefícios emocionais. “Os advogados das top-20 são muito bem remunerados. Com total honestidade, numa sociedade de topo em Lisboa, em qualquer dos escalões se ganha bem acima da média para aquilo que se pratica na esmagadora maioria das profissões em Portugal”. Ou seja, outros factores entram em jogo, além da remuneração. Por exemplo, um dia de teletrabalho em cada semana e uma sexta-feira espanhola, que acaba às 16 horas com brunch oferecido pelo escritório. “Dá-lhes a sensação de terem o fim-de-semana prolongado. E o que é certo é que só com estas duas medidas tivemos um aumento da rentabilidade superior a 25%. E tenho seguramente hoje em dia advogados mais felizes”.

Pedro Faria, sócio na Antas da Cunha Ecija

Comentador habitual na SIC Notícias e antigo comentador residente na Económico TV do Diário Económico, diz de si próprio que não é bom exemplo, porque trabalha 12 horas por dia. E sábado ou domingo, quando calha. “Estou nos antípodas daquilo que entendo que deve ser praticado. A minha geração há-de ter sido a penúltima em que se tinha a noção de que por ficar no escritório até às 11 da noite se era melhor advogado”. Ideia tão enraizada que se encontra numa anedota que também comenta honorários inflacionados. Um advogado chega ao Céu e explica que é demasiado novo para morrer, ao que Deus responde: “Não é o que dizem os teus timesheets”.

A noite em que Pedro da Quitéria Faria regressou mais orgulhoso a casa continua intacta na memória: 29 de Novembro de 2018. “Passados nove meses de uma luta inacreditável, primeiro sozinhos e depois já com congéneres sindicais europeias e com a própria Comissão Europeia, conseguimos assinar o primeiro memorando de entendimento com a Ryanair para que Portugal fosse o primeiro País da Europa onde se aplicasse a legislação laboral do país de origem do tripulante e a jurisdição dos conflitos laborais passasse a ser a dos tribunais de trabalho portugueses”.

Desafiar a companhia aérea foi “um risco gigantesco”, mas “amadurecido e ponderado” pelo especialista em Direito do Trabalho e da Segurança Social, que aos 33 anos, em 2013, se tornou o primeiro sócio não fundador da Antas da Cunha Ferreira e Associados (ACFA). Cumprindo o que tinha dito a Fernando Antas da Cunha na primeira entrevista de emprego, ainda na universidade: “O meu objectivo profissional é um dia ser seu sócio”.

Fiel da série Suits e fã de televisão e cinema de advocacia, Pedro da Quitéria Faria também esteve na sociedade Miranda, Correia e Amendoeira, como associado sénior, durante um ano. E se desde jovem manifestou atracção “pela retórica, pelo esgrimir de argumentos, por tomar parte”, desde as primeiras aulas de licenciatura quis uma carreira em lugares cimeiros. “O meu pai foi um dos mais prestigiados médicos de Portugal, na área de especialidade dele, e sempre a mim e ao meu irmão nos foi colocada a ideia de que se deve dar tudo para chegar ao topo, numa perspectiva de ambição positiva”.

O lema de vida que aprendeu em casa – “O impossível foi ontem” – aplica-o na profissão, em que lida sobretudo com negócios de milhões. “São clientes com qualificações técnicas, académicas e de know-how profissional de topo e desse ponto de vista existe uma sofisticação muito assinalável na forma como temos de prestar os serviços”. Pede-se compromisso, rapidez na resposta, clareza e uma ligação quotidiana, de acompanhamento permanente, com centenas de processos activos em simultâneo. “Estabeleço sempre com os meus clientes uma relação. Sou parceiro do meu cliente, sou uma peça importante para que se chegue à melhor solução”.

Madonna e o Aliança

Há um ano, Ana Pedrosa-Augusto emergiu do anonimato para os títulos dos jornais. Se até aí era conhecida no meio jurídico, passou a sê-lo junto do público generalista, enquanto advogada de Madonna e vice-presidente do partido Aliança. Natural de Leiria, 39 anos, é sócia do antigo bastonário Rogério Alves (e actual presidente da Assembleia Geral do Sporting) na Rogério Alves & Associados.

Ana Pedrosa-Augusto, vice-presidente do Aliança e sócia na Rogério Alves & Associados

De Madonna não fala – “Não posso pronunciar-me sobre quem são os meus clientes” – mas durante a conversa com o JORNAL DE LEIRIA frisa que a palavra-chave em advocacia é confiança. “Temos de estar sempre disponíveis, a qualquer hora, onde for, quando for”. E sem medir as pessoas pelo poder. “Um grande princípio é tratar os clientes de forma igual. Fazer uma operação de 50 mil euros ou de 50 milhões no fim do dia tem de ter o mesmo grau de dedicação”.

Ana Pedrosa-Augusto intervém fundamentalmente na área de Direito de Negócios, com particular enfoque nos núcleos de Direito Fiscal, Direito Imobiliário e Direito Comercial e Societário. Nunca quis desempenhar o papel de defensora dos pobres e oprimidos, na sala de audiências, a litigar em causas de força desigual. “De todo, muito longe disso”, admite. Filha de empresário, prefere o mundo das empresas, do valor acrescentado, numa rotina de assessoria que tem a base no escritório. “Normalmente não trabalho quando existe o problema, estou a montante, quando o cliente quer criar, quer investir, quer avançar com algum negócio, estou ao lado dele a fazer essa operação”.

Contratada, em pleno contexto de austeridade, com a troika em Portugal, por pessoas que conheceu como contrapartes, dedica “pelo menos 10 horas” por dia aos assuntos do escritório. “Até acho que nesta fase estou com sorte, já nem venho tantas vezes ao fim-de-semana nem à noite”. Não dispensa o desporto e quando lhe falta a actividade física diz que a semana corre mal. Fala de uma profissão “muito exigente” em que “só se pode estar por paixão” e com “brilho nos olhos”, sob pena de não aguentar o ritmo. “É preciso gostar muito, trabalhar muito, mas mesmo muito, e nunca desistir”. A concorrência entre as principais sociedades “é muito grande”, o que torna “fundamental ganhar a confiança do cliente”. Estar “do lado dele em todas as decisões” e “em cada momento importante”.

Aos estudantes de Direito, Ana Pedrosa-Augusto recomenda que tenham “uma percepção do que querem fazer e onde querem ir”. Porque é imperativo “ter mundo, saber o que se passa, quem são as empresas, quem são os players”. A vice-presidente do Aliança tem também ideias definidas sobre o que mudaria no exercício da Lei. “Muito mais juízes, que fosse possível os juízes estarem muito mais especializados em cada matéria”, ou seja, menos carga de trabalho, mais especialização, “com o fim de garantir celeridade”, porque “é impraticável” o tempo da Justiça. “Tenho sentenças há 10 anos à espera”. Por exemplo, em Direito Administrativo e Fiscal. Quando chegam, “na maior parte dos casos é uma coisa para emoldurar”, conclui. “Não é razoável esperar tanto tempo por decisões”. A advogada mostra-se ainda preocupada com a “estabilidade legislativa”. Ou falta dela. “Temos de parar de mudar a lei de cinco em cinco minutos. Todos os dias estamos a mudar de ideias sobre o queremos, todos os dias há uma regra nova, as pessoas nunca sabem com o que contar”. E, sem querer generalizar, reconhece que há um problema de acesso aos tribunais em Portugal. “Quem tem mais dinheiro pode pagar a advogados que tenham uma equipa diferente e uma capacidade diferente”, logo “é difícil para quem não tenha recursos económicos aceder à Justiça”.

Adeus engenharia

Também convidado pelo JORNAL DE LEIRIA a comentar o momento do sector, o advogado Ricardo Guimarães, que consta no prestigado ranking Chambers, afirma que “um dos aspectos mais preocupantes é a instrumentalização da informação e da comunicação social para a obtenção de resultados nos processos em curso”. Sobre os escândalos de corrupção que se sucedem nas páginas da imprensa, manifesta confiança nas instituições e lembra o “combate que está a ser feito relativamente a esse tipo de práticas”, tanto pelo Ministério Público como em sede de produção de regras para a transparência das relações comerciais e financeiras.

Ricardo Guimarães, sócio na Linklaters

Com 44 anos, Ricardo Guimarães é sócio da Linklaters desde 2018, depois de já ter alcançado o mesmo estatuto na Sérvulo & Associados. Entre os clientes que lhe são atribuídos – mas não confirma – destacam- se o Novo Banco, a Galp Energia, a Pfizer, a Oitante ou o Grupo Andrade Gutierrez. A Linklaters, com sede em Londres, emprega quase 5 mil pessoas (advogados e não advogados) em quase 30 países.

Natural de Leiria, o advogado que é filho de advogado especializou-se em Contencioso e Arbitragem: todos os clientes são empresas, que aconselha na preparação de contratos, na fase pré-litigiosa ou no âmbito de litígios decididos nos tribunais estaduais e arbitrais. “O trabalho que tenho diariamente é muito estimulante do ponto de vista intelectual”, refere. “Exige conhecimento, criatividade e capacidade de resposta a situações novas e por vezes inesperadas”.

Curiosamente, o percurso de Ricardo Guimarães começa no Instituto Superior Técnico, que trocou pelo Direito antes de concluir o curso de Engenharia Informática. A formação em ciências exactas, encara-a como vantagem, por facilitar um olhar dominado pelo pragmatismo, rigor e capacidade analítica. Os diálogos em inglês e as viagens em trabalho – há diversos processos ligados a Angola e Moçambique – são frequentes numa rotina que envolve interlocutores com investimentos que cruzam fronteiras, por exemplo, empresas que se estão a instalar em Portugal. “O dia a dia tem muito trabalho internacional e multi-jurisdicional”, o que considera “enriquecedor”, por proporcionar “experiências interessantes e até marcantes”.

Com 20 anos de carreira em grandes sociedades, o advogado vê a promoção a sócio da Linklaters como “um momento importante”, que já ambicionava. “A concretização de uma meta que tinha sido a razão da mudança do meu antigo escritório. Isso preenche muito”.

De acordo com o ranking da Iberian Lawyers, a sociedade de advogados Linklaters facturou 15 milhões de euros em 2018 (nono lugar entre os escritórios portugueses), a Campos Ferreira Sá Carneiro – CS Associados chegou aos 9 milhões (15.º lugar) e a Antas da Cunha atingiu 3,6 milhões de euros (25.º lugar).