Sociedade

Autópsia desmente versão de acidente e mostra agressões violentas

15 mai 2020 11:03

Criança foi torturada com água a escaldar.

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Cerca de 40 pessoas esperaram pelos suspeitos à porta do Tribunal de Leiria e chamaram-lhes "assassinos"
Ricardo Graça

Alvo de agressões violentas alegadamente por parte do pai, Valentina, 9 anos, morreu na manhã de quarta-feira passada na habitação do pai, de 32 anos, e da madrasta, de 38 anos, em Atouguia da Baleia, concelho de Peniche. O juiz de instrução do Tribunal de Leiria decretou, na quarta-feira, a prisão preventiva aos dois suspeitos.

Num comunicado lido pela oficial de justiça, o juiz de instrução adianta que a madrasta da criança está “fortemente indiciada” de ser a autora de um “homicídio qualificado por omissão e sob dolo eventual”. O pai da criança terá realizado, “como autor, um crime de homicídio qualificado e de violência doméstica”.

Ambos os arguidos são suspeitos, em co-autoria, do crime de profanação de cadáver. Vão agora aguardar julgamento em estabelecimentos prisionais de Lisboa.

Segundo JORNAL DE LEIRIA apurou, a menina terá estado deitada no sofá, já morta, o dia inteiro, em frente aos irmãos de 12 e 4 anos e um outro de “apenas meses”.

As crianças tentaram interagir com ela, puxando-o para as brincadeiras, mas Valentina não respondeu. O seu corpo foi transportado para a mata na Serra d'El Rei, ao final do dia, e tapado com arbustos.

Os suspeitos encenaram depois uma situação de desaparecimento, lembrando que já não seria a primeira vez.

O relatório preliminar da autópsia aponta que a criança foi alvo de agressões violentas, apresentando marcas em todo o corpo e uma pancada na cabeça, além de haver indício de asfixia.

Segundo o JORNAL DE LEIRIA apurou, o pai terá colocado a menina na banheira, torturando-a com água quente.

A tese de acidente defendida pelo progenitor cai por terra perante as primeiras conclusões da autópsia, cuja causa concreta só deverá ser deslindada mais à frente, quando se conhecer o resultado dos exames laboratoriais.

Apesar de estar à guarda da mãe, Valentina tinha ido passar uns dias a casa do pai à Atouguia da Baleia, no concelho de Peniche. Devido à pandemia de Covid-19, a estadia prolongou-se.

A sua ausência na quarta-feira, dia 6, não terá sido notada pelos professores, uma vez que a aluna não teria computador, o que foi confirmado pelas buscas da Polícia Judiciária.

Ou seja, a menina receberia os trabalhos por email, que seria aberto no telemóvel dos pais, e depois de realizá-los, seriam fotografados e reenviados para a escola.

Naquele dia, algo terá corrido mal e a criança foi agredida, de tal forma que as lesões provocaram uma convulsão e o seu falecimento.

O pai, que não assume o crime, defendendo a tese de acidente, foi à GNR na manhã de quinta-feira denunciar o desaparecimento.

Rapidamente a GNR montou, com a protecção civil e bombeiros de várias corporações, uma operação de busca, que incluiu cães pisteiros e drones.

A situação foi comunicada à PJ de Leiria, que também iniciou as suas investigações.

O coordenador do Departamento de Investigação Criminal de Leiria da Polícia Judiciária, Fernando Jordão, revelou numa conferência no domingo, que a morte terá ocorrido “por questões internas do funcionamento da família”, escusando- se a revelar mais informações, referindo, no entanto, que esta situação não terá correlação com o desaparecimento da criança numa outra ocasião.

“Estamos a verificar [cenário da morte], mas claro que terá de ter acontecido em algum contexto de violência”, declarou, salientando que, “à partida”, não terá sido uma morte acidental, podendo os suspeitos responder pelos crimes de homicídio e ocultação e cadáver.

Este responsável admitiu que a investigação começou como um desaparecimento e os indícios que surgiram, relacionados com a “análise, entrevistas e interrogatórios” realizados a várias pessoas, “levaram à detenção” dos dois suspeitos.

Uma das conversas mais importantes terá sido com o filho da madrasta da menina de 12 anos, que terá dado informações relevantes para a PJ apontar as culpas ao pai e à madrasta.

“Queremos realçar que o trabalho desenvolvido pela PJ não teria este desfecho, não fosse a excelente colaboração da GNR, da Protecção Civil, autarquias, escuteiros e populares, que contribuíram e muito na realização das buscas na tentativa de encontrar a criança”, realçou Fernando Jordão.

Ao nível da investigação, “resulta de uma permanente troca de informação, sobretudo, entre estes dois órgãos de polícia criminal [PJ e GNR], noite e dia, com uma análise em tempo real, o que permitiu estabelecer as estratégias”.

“Sem esse trabalho a PJ não conseguiria recolher informação pertinente e útil para desenvolver o seu trabalho e chegar a este resultado."

As buscas contaram com o envolvimento de “mais de 600 elementos activos, numa área percorrida de sensivelmente quase 4 mil hectares, palmilhada mais do que uma vez em alguns locais”, embora nenhum deles o sítio onde o corpo viria a ser encontrado, referiu o comandante da GNR de Caldas da Rainha, Diogo Morgado, ao revelar que o pai e a madrasta nunca participaram nas buscas.