Abertura

Campelo, a freguesia onde há três vezes mais casas do que moradores

5 ago 2021 12:00

Em dez anos, Campelo, em Figueiró dos Vinhos, perdeu mais de 30% dos moradores. Quem ficou, divide-se entre a esperança e a tristeza.

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Campelo tem apenas 190 moradores. As crianças contam-se pelos dedos das mãos.
Ricardo Graça
Maria Anabela Silva

O sino da igreja marca as 13 horas. Do outro lado da aldeia, atravessada pela ribeira de Alge, ouvem-se as gargalhadas de três crianças. Filhos de “gente de Lisboa”, com raízes familiares na terra que, em tempo de férias, dão um ambiente menos envelhecido a Campelo, a freguesia menos populosa do distrito de Leiria.

Já o era em 2011, aquando dos anteriores Censos, mas os resultados preliminares do último recenseamento, divulgados na semana passada, revelam que a situação se agravou.

Em dez anos, a freguesia, localizada no concelho de Figueiró dos Vinhos, perdeu 31,7% da sua população, passando de 278 para 190 residentes, ou seja, três vezes menos do que os alojamentos (631) contabilizados.

E os números só não são mais negros “graças aos estrangeiros”. Pelas contas de Jorge Agria, presidente da Junta desde 2013, haverá “entre 20 a 25” imigrantes de várias nacionalidades – ingleses, belgas, holandeses, checos e sul-africanos – espalhados pela freguesia, onde as crianças se “contam pelos dedos das mãos”.

Longe vão os tempos em que as escolas “estavam cheias”. Foi “há tantas luas atrás”, diz, com tristeza, Manuel Serra Prior, residente em Fontão Fundeiro, um dos 36 lugares que compõem a freguesia, alguns já “totalmente despovoados” e dois em “ruína completa”.

Depois de uma vida feita em Lisboa, onde foi taxista e comerciante de automóveis, Manuel Prior, viúvo de 74 anos, decidiu regressar à casa onde nasceu, depois da reforma. Estava sozinho numa cidade cheia de pessoas e veio encontrar companhia numa aldeia quase despida de gente. Os habitantes não chegam a uma dúzia, mas mantêm vivo o espírito de comunidade.

“Aqui sinto-me mais acompanhado. De manhã, costumo tomar café com alguns vizinhos e sei que posso contar com eles”, afiança o morador, que, de voz embargada, recorda o tempo em que Fontão Fundeiro e as aldeias vizinhas “tinham muita gente”.

“Havia sempre pessoas na rua e nos campos. Era tudo amanhado.Não havia canto de terra que não estivesse cultivado. Agora, está reduzido a isto…. É uma tristeza.”

O 'isto' a que se refere Manuel Prior são aldeias quase desertas ou até mesmo sem qualquer morador. Do lado oposto a Fontão Fundeiro fica Alges, que já foi sede de freguesia e que chegou a ser um desses lugares sem residentes.

Foi há cerca de 15 anos, conta Bruno Brás, que o JORNAL DE LEIRIA encontrou junto à sede da Comissão de Compartes dos Baldios de Alge e Lugares Anexos, criada em 1999 e que faz a gestão de cerca de 1.400 hectares de terreno.

Com vários projectos em mãos na área florestal, que incluem a reflorestação com espécies autóctones, a associação dá emprego a duas pessoas e prevê, no próximo ano, criar mais “três ou quatro” postos de trabalho na área da resinagem.

O objectivo, explica Bruno Brás, é que esses colaboradores se possam fixar na aldeia, que hoje tem uma média de 15 moradores. A esses, há a somar alguns reformados que aí passam parte do ano.

“Não podemos deitar a toalha ao chão”

Nascido em Alge, mas a residir em Coimbra e a trabalhar como advogado em Oleiros, concelho de Castelo Branco, Bruno Brás manteve sempre a ligação à terra. Quer, inclusive, aumentar a sua participação, encabeçando a lista do PS à Junta de Freguesia.

Do lado do PSD, terá como adversário o actual presidente, Jorge Agria, nascido e criado em Vilas de Pedro, que regressou à localidade depois de se formar em Engenharia Química Industrial e quando já estava radicado em Tomar. Filho único, voltou para ajudar a mãe a cuidar do pai e já não saiu, assumindo também a gestão das propriedades florestais da família.

Separados pela política partidária, há, no entanto, um ponto que une Bruno Brás e Jorge Agria: a confiança que têm no interior e a esperança de que a actual pandemia possa marcar uma viragem na visão fatalista de que este território, “com tanto passado”, não tem futuro.

“Não podemos deitar a toalha ao chão, como se o interior não tivesse solução. Pode não haver indústria, as empresas podem ser poucas, mas há muitos recursos. Saibamos aproveitá-los”, diz, com optimismo, Bruno Brás, apontando como exemplo o trabalho desenvolvido pela comissão de baldios.

Também Jorge Agria acredita que “vai haver retrocesso” e que o interior voltará a ser olhado como “terra de oportunidades”. O autarca admite que a reviravolta “ainda demorará”, mas poderá ter sido acelerada pela pandemia, que, no seu entender, veio “criar condições” para encarar estes territórios de forma diferente.

Numa nota pessoal, Jorge Agria refere o caso de um vizinho, que estava radicado em Aveiro, que acabou por se fixar na freguesia, onde vive agora com os dois filhos, tendo, inclusive, mudado a sede da sua empresa para o concelho de Figueiró dos Vinhos.

A ajuda da internet

Dina Alves, que por estes dias passa férias em Alge, onde tem origens familiares, só está à espera da aposentação para se mudar de Lisboa para a aldeia, à semelhança do que fez o pai, que visita de 15 em 15 dias, quase sempre acompanhada da filha, do genro e das duas netas, que ali passaram parte do confinamento, com a ajuda da internet, que “agora funciona bem”.

E ainda funcionará melhor dentro de algum tempo, antevê Bruno Brás, revelando que a comissão de baldios está a iniciar um investimento de 14 mil euros na substituição de equipamentos, abrangendo quatro lugares (Alge, Pé de Ingote, Carvalhos e Pé de Janeiro).

Com ou sem internet, Célia Antunes tenciona não arredar pé de Campelo, onde chegou, por via do casamento, há quase 30 anos, vinda de Sarnadas, aldeia do Município vizinho de Castanheira de Pera conhecida pelos famosos barretes.

“Se não gostasse de aqui viver, já cá não estava há muito”, diz a mulher, mãe de dois filhos, um de 29 e outro de 24 anos. Conta que o mais velho emigrou para Inglaterra, onde “montou uma firma”, e que já não tenciona voltar. O mais novo continua a viver em Campelo. É pedreiro e, para já, os planos passam por ficar.

“Não podemos sair todos e deixar morrer estas terras.”