Desporto
Cid Ramos e o amor ao futebol relatado na primeira pessoa
Leva as incidências do campeonato distrital de Leiria aos quatro cantos do mundo através das suas narrações. Uma tarefa que abraça seja à chuva, ao vento ou no telhado de um balneário.
Do cimo do edifício dos balneários, sentado numa cadeira de plástico e com o microfone na mão, o entusiasmo de Cid Ramos é evidente. “Boa tarde, mais de sete meses depois, estamos de novo em directo do Campo Dinis dos Pinheiros para uma tarde desportiva.
Hoje, o Grupo Desportivo da Pelariga recebe o Sporting Clube de Pombal em jogo a contar para a primeira jornada da Divisão de Honra da Associação de Futebol de Leiria.”
Foi desta forma que o jornalista de 38 anos deu o pontapé de saída para os relatos de jogos de futebol nas emissões online da rádio Onda Certa.
Acompanhado pelo irmão Marco Santos, “viciado” com ele, e pelo primo Marco Pedrosa, a quem “pegou o bicho”, comentam as incidências da partida. Os três podem, finalmente, voltar a fazer o que tanto gostam, ainda por cima logo num “derby concelhio”.
O público, esse, teve de ficar de fora do campo naquela localidade do concelho de Pombal, mas houve alguns adeptos que conseguiram contornar o impedimento a que todos estão obrigados pela maldita pandemia.
Não, não entraram à socapa. Uns subiram a árvores, outros a muros, outras ainda estacionaram em local estratégico e sentaram-se confortavelmente em cadeiras de praia no tecto da autocaravana.
Um adepto subiu ao telhado da própria casa para ver a bola, não sei antes sintonizar e colocar aos berros a rádio Onda Certa. Assim, todos que espreitavam o jogo podiam ouvir o que se passava.
A verdade, porém, é que os relatos de futebol têm vindo a cair em desuso na região. A União de Leiria ainda estava na 1.ª Liga quando deixou de haver quem levasse aos ouvintes as peripécias do que se passava no Magalhães Pessoa, por exemplo.
Mas o entusiasmo de Cid Ramos por desporto em geral, pelo futebol em particular e pelo futebol distrital em específico fazem com que não pare de remar contra a maré.
Ainda para mais nesta altura, em que os espectadores não podem aceder aos recintos desportivos, o relato é primordial para a ligação entre os adeptos e as associações desportivas.
“Gosto muito de quem está no futebol distrital e sinto que lhe temos de dar voz na rádio”, crê o jornalista, cuja “grande paixão” pela bola cresceu em casa, na aldeia do Pinheirinho, inspirado pelo progenitor, falecido em 1998 e homenageado com a criação, em 2004, do site de informação desportiva O Derbie. “Foi para ele”, sublinha Cid.
“Costumo dizer que a prato era futebol e a sobremesa Coca-Cola. De tal maneira que o meu pai chegou a chatear-se comigo e com os meus irmãos. Tive de lhe dizer que a culpa era dele, que foi ele que nos meteu o vício. Quando andava na escola e chegava a Pombal, logo às sete e meia da manhã, a primeira coisa que fazia era comprar o jornal Record, que passava por muitas mãos, mas tinha sempre de o levar para casa, porque o meu pai queria lê-lo ao fim do dia.”
Futebol total
O Sporting de Pombal vai atacando. “O árbitro marca o quê? Penalty? Não. Simulação. Parece-me que houve aqui algum rigor. Não creio que tenha havido simulação, mas também não me parece grande penalidade.”
Nova situação dentro da área do Pelariga, aos 24 minutos. “É penalty! Henrique Brites marca falta sobre Guilherme, mas é um lance confuso. Não conseguimos descortinar o lance, pelo menos falo por mim.”
É o próprio o responsável pela marcação do castigo máxima. “Vai arrancar! Arranca! Atira! Golo! Gooooooooooolo! Foi por uma nesga que Malva não chegou à bola, mas não conseguiu segurar o remate de Guilherme! É o primeiro golo que relatamos em sete meses e por isso damos vivas ao futebol distrital!”
O jogo prossegue e Cid Ramos mostra que é craque. “Ataca o Pelariga, mas Miguel Cá, com classe, a cortar. Quem sabe, sabe, e este Miguel Cá sabe muito”!
São já quatro anos de prática, que começaram porque não havia quem fizesse a função e que agora são motivo de orgulho e prazer. “Houve relatos que correram muito mal”, diz.
Lembra-se de um jogo entre o Carnide e o Figueiró dos Vinhos. “Não conhecia as equipas e nos primeiros cinco minutos andei a apanhar bonés.”
Com a experiência, “chuteiras e cabelos” passaram a servir para distinguir futebolistas. “Às vezes há jogadores que são difíceis de distinguir e são as chuteiras cor-de-rosa ou uma mancha no cabelo a única coisa que os distingue.” É, no fundo, uma vida de peripécias e improvisos.
Também já fez relatos à chuva “e aquilo nunca mais acabava” e outros que teve de terminar antes de tempo, porque o “vento era tanto” que nem se conseguia ouvir a si próprio.
Ou um desafio entre o Guiense e o Atouguiense em que passou” o tempo a chamar Peniche ao Atouguiense e a levar toques do irmão”.
Amor à arte
O resultado não se alterou. A segunda parte foi mais agressiva, houve mais luta, seis cartões amarelos. mas o Sporting de Pombal acabaria por levar os três pontos para casa depois desta curta viagem. “O golo de Guilherme acabou por fazer a diferença na partida”, explica o jornalista.
É hora de arrumar a trouxa e voltar para casa. Para a semana haverá com certeza mais, num qualquer campo da região.
Para estreia, Cid Ramos está satisfeito com as audiências. “Tivemos sempre entre 60 e 70 pessoas a acompanhar, por isso acredito que chegámos a largas centenas. Mas faço isto por amor, muito mais do que por dinheiro, porque um domingo sem ir à bola não é domingo.”