Sociedade
Cientista de Fátima relaciona bactérias intestinais e interacção social
A “bactéria que vai passar de hospedeiro em hospedeiro, vai ser alvo de uma pressão selectiva mais forte e a melhor versão da bactéria vai colonizar todos os hospedeiros que estão juntos”.
Um estudo, conduzido por uma equipa de cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência, mostra que as interacções sociais do hospedeiro podem influenciar a evolução das bactérias intestinais.
“O nosso grupo estuda a evolução bacteriana, nomeadamente de bactérias intestinais, mas é a primeira vez que estamos a tentar perceber qual é o impacto da transmissão entre hospedeiros”, explica Nelson Frazão, primeiro autor do estudo, natural de Moita Redonda, em Fátima.
Em declarações ao JORNAL DE LEIRIA, o investigador acrescenta que os estudos anteriores se centravam em hospedeiros isolados. “Decidimos pôr vários ratinhos dentro do mesmo espaço fechado para verificar se haveria a mimetização das interacções sociais de humanos dentro de uma mesma sala ou num mesmo quarto de hospital, e ver qual era o impacto na evolução de uma bactéria, neste caso a Escherichia coli (E. coli), quando há transmissão e quando não há”, adianta.
A investigação mostrou que “quando há interacção social, a evolução é mais previsível, ou seja, quando as pessoas estão juntas e há a transmissão de bactérias, a evolução genética das bactérias é muito mais parecida”.
Nelson Frazão precisa que a “bactéria que vai passar de hospedeiro em hospedeiro, vai ser alvo de uma pressão selectiva mais forte e a melhor versão da bactéria vai colonizar todos os hospedeiros que estão juntos”.
“Isto pode ter impacto, por exemplo, em meio hospitalar. Se transpusermos esta realidade para um quarto de hospital, o que poderá acontecer é que ao se transmitirem de hospedeiro em hospedeiro as bactérias seleccionadas poderão ser as mais resistentes aos antibióticos. Isto é uma das possíveis consequências”, constata.
Nelson Frazão considera que os alvos de mutação genética poderão ser diferentes em contextos individualizados e em interacção social “conseguimos com este estudo observar padrões de evolução diferentes em hospedeiros num contexto social”.
Sublinhando que este tipo de estudos de ciência fundamental não resulta num tratamento imediato, o investigador admite que perante estes resultados se pode supor que a “identificação de targets genéticos poderá, eventualmente, levar ao desenvolvimento de determinados tratamentos específicos, relacionados com o contexto social dos hospedeiros”.
As implicações deste trabalho estendem-se para além da biologia evolutiva, tendo potencial impacto nas áreas da microbiologia, da ecologia e da medicina personalizada. O estudo foi publicado na revista Molecular Biology and Evolution, sendo capa da edição de Agosto, refere uma nota de imprensa do Instituto Gulbenkian de Ciência.
Este é o primeiro estudo a demonstrar que hospedeiros submetidos à mesma dieta e hábitos não apresentam apenas a mesma composição de espécies microbianas no intestino, mas acima de tudo cada uma destas espécies sofre o mesmo tipo de evolução. Estes dados revelam o papel determinante da transmissão bacteriana entre hospedeiros na adaptação de novas espécies bacterianas ao intestino. As descobertas da equipa de investigação liderada por Isabel Gordo, investigadora principal do Instituto Gulbenkian de Ciência, abrem caminho a novos estudos centrados na complexa relação entre interações sociais, bactérias intestinais e saúde humana.