Sociedade
Comissões diocesanas receberam 26 queixas de abusos até hoje
I Encontro Nacional das Comissões Diocesanas e Castrense de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis
O ex-procurador-geral da República José Souto Moura revelou hoje, em Fátima, que as Comissões Diocesanas de Protecção de Menores receberam, até hoje, 26 participações de abuso em todo o país.
Segundo o presidente da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas e Castrense de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis, este número permite várias interpretações: “Ter havido 26 casos reais, ter havido mais, mas apenas só 26 [vítimas] terem participado, haver quem tenha comunicado [casos] à Comissão Independente e não tenha querido duplicar as queixas, alguma desconfiança em relação às comissões” da Igreja para lhes fazer chegar as denúncias.
Souto Moura, intervindo no I Encontro Nacional das Comissões Diocesanas e Castrense de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis, que hoje decorre em Fátima e que assinala o primeiro aniversário da criação da Equipa de Coordenação, assumiu que este é um tempo de “adoptar uma postura de ausência de ambiguidades” e de grande responsabilidade por parte das estruturas da Igreja, tendo sempre presente as palavras do Papa Francisco sobre o abuso sexual no seio do clero: “Um só caso é uma monstruosidade” e deve haver “tolerância zero” em relação a estas situações.
A uma semana da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, apresentar o relatório sobre a situação em Portugal, Souto Moura disse que, a partir de agora, “quem fica [no terreno, a ouvir as potenciais vítimas] são as comissões diocesanas”, as quais devem “ser um motor de confiança da Igreja e motivo de credibilidade” para os queixosos.
Na ocasião, o ex-procurador-geral da República deixou um desafio para reflexão, sobre se a questão dos abusos “é ocasional ou sistémica”, ao qual o padre Pereira de Almeida, vice-reitor da Universidade Católica respondeu minutos depois: “Quase parece uma epidemia, mas não é da natureza da Igreja”.
Por sua vez, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), José Ornelas, sublinhou que a situação de abusos sexuais na Igreja “é a contradição absoluta em relação ao que é professado na Igreja” e agradeceu aos membros das comissões diocesanas, face à “realidade penosa” com que têm de lidar e para a qual são necessárias “coragem e decisão”.
Quanto ao relatório que a Comissão Independente vai revelar no dia 13 de Fevereiro, a análise que a Igreja vai fazer é no sentido de que haja “consequências operativas”.
No dia 10 de Janeiro, a CEP assegurou estar preparada para “tomar medidas adequadas” que se imponham pelo relatório da Comissão Independente que estuda os casos de abusos na Igreja.
O relatório será apresentado no dia 13 de Fevereiro, em Lisboa, e nesse mesmo dia a Conferência Episcopal emitirá um comunicado com a sua primeira reacção. O documento ser-lhe-á entregue por Pedro Strecht no dia anterior.
Entretanto, para 3 de Março, está já convocada uma Assembleia Plenária do episcopado católico português, para uma análise mais profunda do documento preparado pela Comissão Independente.
A Comissão Independente – que além de Pedro Strecht, integra o psiquiatra Daniel Sampaio, o antigo ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, a socióloga Ana Nunes de Almeida, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e a realizadora Catarina Vasconcelos – começou a receber testemunhos no dia 11 de Janeiro de 2022.
Em 11 de Outubro, anunciou que já validara 424 testemunhos, assumindo que a maior parte dos crimes reportados já prescrevera. Dezassete dos casos, contudo, haviam sido já comunicados ao Ministério Público.
Durante a primeira parte do encontro de hoje, interveio, também, Rute Agulhas, psicóloga e membro da Comissão de Protecção de Menores do Patriarcado de Lisboa, que alertou para o facto de a justiça nem sempre ser “amiga” das crianças ou adolescentes vítimas de abuso, pois estas “são ouvidas vezes sem conta” durante o processo, o que pode contribuir para uma “revitimização”.
Durante a tarde, e à porta fechada, as comissões diocesanas vão fazer um balanço da sua actividade no último ano e apontar as dificuldades sentidas na sua missão.