Desporto

David Carreira, a reforma aos 26 anos de um nadador paralímpico

16 dez 2016 00:00

Após a histórica participação nos Jogos Paralímpicos, David Carreira decidiu parar. Novos desafios profissionais, associados ao desgaste provocado pelo treino de alta competição, afastaram-no das piscinas. É um até sempre ou um até breve?

Fotografia: Ricardo Graça

Todos os dias, David Carreira observa o seu reflexo na piscina municipal de Leiria. Apesar de já não mergulhar diariamente naquela massa de água, o facto de ser técnico de exercício físico naquele mesmo edifício faz com que as recordações de uma tão rica carreira persistentemente lhe assaltem a memória.

Após nadar em dois Europeus e um Mundial, foi há precisamente três meses que atingiu os píncaros da carreira desportiva. Cumpriu o sonho de uma vida. Da dele e da de qualquer outro atleta. No momento em que entrou no Estádio Aquático Olímpico do Rio de Janeiro para participar nos Jogos Paralímpicos sabia que estava a entrar na galeria dos imortais.

Naquele momento, porém, a carreira de atleta de alta competição chegou ao fim. Teve, pelo menos, uma interrupção de duração indeterminada. Mesmo que não tenha mais de 26 anos. A decisão estava tomada pelo menos desde Maio, quando David Carreira participou pela segunda vez num Europeu.

“Sentia que era cada vez mais difícil conciliar trabalho e competição, que podia começar a perder o barco a nível profissional e se o perdesse agora era mais difícil apanhá-lo mais tarde”, explica o atleta.

Sendo licenciado em Condição física e saúde no desporto, a escolha acabou, pois, por ser natural. “Coloquei tudo na balança, que pendeu para a actividade profissional, pois é aquela que me dá o rendimento ao final do mês. Infelizmente, a natação não o pode fazer.”

A modalidade é conhecida por ser extremamente desgastante e, “de momento”, era “impossível conciliar” as duas actividades. “A exigência é enorme e muitas vezes aconteceu já não ir com a mesma disponibilidade para o trabalho”, admite o atleta de Alqueidão da Serra, Porto de Mós, que começou a nadar aos 4 anos por indicação médica.

“O desgaste mental é grande quando uma pessoa se dedica a 100%. No final da semana já começava a ficar cansado dos treinos e isso fazia com que me sentisse irritado. Já me chateava com coisas mínimas que, se andasse bem a nível mental, não me incomodariam. É algo impensável na minha profissão, em que há muito contacto com as pessoas. Senti que não podia estar a prejudicá-las em função do meu dia-a-dia enquanto atleta, e que não podia pôr a natação à frente do meu trabalho.”

Este era um problema. O outro é a falta de disponibilidade “para tudo”. “Podíamos aproveitar um fim-de-semana para ter uma formação, mas depois pensamos que não podemos ir porque há treino de manhã e temos de aproveitar o resto do fim-de-semana para descansar. Se formos a ver, neste meu último ano foram 12 meses seguidos sem férias e onde tudo foi feito em função da natação.”

Todo o santo dia, David entrava na água já com duas horas de trabalho. A seguir ao treino voltava ao expediente e nos dias de bidiários ainda regressava à piscina e só depois ia para casa. Tudo isto, “sem férias”.

“No ano passado, no Natal, na Páscoa e no Carnaval aproveitei para fazer estágios, dias 100% dedicados àquilo. Passámos dez dias no Natal na Sierra Nevada, em altitude, e mais alguns na Páscoa e no Carnaval em Rio Maior, onde chegávamos a fazer três sessões de trabalho por dia.”

A nível mental, o “desgaste nota-se muito”. “Tive um ano inteiro sem dois dias seguidos de descanso. Chegava à casa e nem vontade tinha de falar, nem sequer contar como correu o dia. Chegamos com um cansaço tão grande que o objectivo é jantar, descansar um bocadinho, preparar tudo para o dia seguinte e dormir, porque já sabemos que o próximo vai ter o mesmo ritmo e o mesmo desgaste.”

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