Viver

E se, ao perder um filho, um pai risse?

6 ago 2020 15:59

André Pereira, escritor natural dos Marrazes, Leiria, reedita "Lágrima", o seu primeiro romance

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André Pereira é dos Marrazes (Leiria)
DR
Jacinto Silva Duro

O primeiro romance sério de André Pereira, guionista, escritor, humorista e jornalista, nasceu de uma ideia baseada num dos exercícios comuns na escrita para humor.

"Normalmente, isto é assim... e se fosse de outra forma?"

O que passou pela cabeça de André foi: ninguém fica feliz quando perde um filho, mas, e se ficasse?

"Perder um filho, é das coisas mais dramáticas que podem acontecer. Toda a gente sofre. Toda a gente chora", diz.

O romance nascido nesta premissa chama-se Lágrima e irá conhecer uma reedição ilustrada por Sara Vieira, até ao final do ano.

Neste livro, há um filho, Tomás, que morre, uma mãe, Clara, que chora e Afonso, um pai, de luto, que ri. É um verdadeiro murro no estômago, que provoca o necessário incidente criativo para que a narrativa se inicie e desenrole.

O que se passa, afinal, com aquele pai? O que o faz rir, perante a dor e uma das mais trágicas dores que um ser humano pode sentir? A mãe e o pai seguem duas histórias que André Pereira considera "paralelas, porém antagónicas".

A ideia surgiu na mente do escrito em 2009 e escreveu logo o primeiro parágrafo. Em 2015, concluiu a escrita e o livro foi para o prelo, chegando às livrarias pela Chiado Editora, para quem o autor trabalhava.

Entretanto, André foi construindo a sua carreira, escreveu para televisão, escreveu guiões para cinema e, agora, é ghostwriter, para a Leya.

Este ano, durante a pandemia, decidiu reeditar o romance, em edição de autor, mas quis adicionar-me algo mais. E o algo mais foi o convite à ilustradora Sara Vieira, natural de Porto de Mós, a criar uma imagem e o entendimento, entre ambos, foi imediato.

"Ela tinha lido o livro numa noite e foi uma simbiose perfeita. Estava a falar com ela e parecia que estava a falar comigo mesmo. O processo criativo, que ainda não terminou, temos tido ideias muito semelhantes e senti-me muito bem a fazer este trabalho com ela."

Esta segunda edição foi revista, as gralhas retiradas, mas a narrativa manteve-se intocada.

"No processo de luto, é talvez inexistente haver quem ria pela morte de um filho. Neste romance, Clara, que atingiu o fundo do poço da tristeza, segue o percurso normal de quem perde um filho; questiona a existência de Deus e a razão desta morte, mas, no fim do processo começa a procura pela felicidade, e Afonso faz o caminho inverso e procura a tristeza. Procura a Lágrima, procura o choro. Quer saber por que razão não sente o que deveria sentir", explica André.

O enredo é situado numa aldeia portuguesa, com uma família portuguesa, no centro da acção. André conta que, para criar o ambiente se inspirou em várias aldeias que conhece - é o caso de Pedronhe, a terra da mãe de André, no Caramulo, e das aldeias do Alentejo -, revisita as festas em honra aos padroeiros e enche as páginas com música e poesia de autores portugueses.

"Optei por escrever com uma linguagem marcada pela oralidade, porque gosto de ler livros que me façam ouvir a musicalidade das palavras. É por isso que adoro ler Mia Couto. Quando se lê o que ele escreve, parece que estamos a navegar num barco nas ondas, ou numa cama de rede a escutá-lo."

O relançamento do livro vai acontecer antes do final do ano, mas o autor ainda não pensou como o irá apresentar, no actual cenário de pandemia, com as audiências de eventos limitadas e sujeitas a regras obrigatórias de distanciamento físico.

Contudo, lançando mão da sua veia de humorista, diz que algumas das suas ideias, para chegar ao máximo de pessoas possível, incluem fretar um avião, utilizar o Campo Pequeno ou até organizar um evento simultaneamente racista e anti-racista.

"Normalmente, quem diz que não é racista, é porque é. Se calhar, também posso levar um animal torturado. Devo conseguir ter mais pessoas."



Um estudante de Direito que acabou no humor
Nasceu há 35 anos, em Lisboa, mas é impossível tirar-lhe os Marrazes do âmago. "Sou dos Marrazes! Estudei e vivi sempre lá, depois fui para Coimbra estudar Direito e depois Comunicação Social na Universidade. Não queria ser jornalista, mas queria um curso onde aprendesse o máximo possível. Comecei em Direito, mas, no primeiro ano, a única cadeira onde passei foi a Cerveja e Discotecas. Estava muito bem lançado, para uma carreira como advogado."

Quando era já finalista em Comunicação, resolveu fazer um curso de escrita criativa nas Produções Fictícias, orientado pelos Gato Fedorento, Nuno Markl, Nuno Artur Silva, Filipe Homem Fonseca, Luís Pedro Nunes, Nilton, entre outros criativos.

No final, foi convidado para ficar a trabalhar nas PF e escrever para Herman José, um dos seus ídolos da juventude.

"Um ano depois, o Nilton convidou-me a escrever para o Cinco Para a Meia Noite, Depois foi a vez de a Filomena Cautela me convidar para escrever para ela."

Entretanto, já se aventurou na escrita para teatro, para cinema e para televisão, onde escreveu vários episódios doa série Bem-vindos a Beirais, e foi jornalista na Penthouse. "Entrevistei algumas mulheres bonitas e alguns famosos, como o Pedro Mexia, João Quadros, ou o Zé Pedro, dos Xutos. As grandes entrevistas foram a parte de que mais gostei."

Experimentou o standup e até fez dois solos. Com eles, apresentou-se na Comuna, em Lisboa, e no Miguel Franco, em Leiria.

Neste momento, é ghostwriter na Leya. Desde 2013, tem um projecto de escrita de retratos e de cartas à máquina de escrever. Chama-se O Que Te Quero Dizer.

Escreve sobre Marketing Digital e crónicas para revistas como a FHM. "Tenho ainda uma página de humor negro, um pouco agressivo, que se chama Mal Por Mal."