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Fernando Ribeiro: “Seria muito difícil vestir o hábito do monge e não experimentar o que o rock tinha para oferecer”

25 fev 2022 18:55

Moonspell actuam este sábado em Leiria, no Teatro José Lúcio da Silva

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Fernando Ribeiro: “Acho que é essa a dinâmica dos Moonspell, a gente resiste a tudo”
Ricardo Graça

São 13 álbuns de originais em estúdio, vários EP, especiais e colectâneas, milhares de discos vendidos e milhares (não é engano, são mesmo milhares) de concertos em dezenas de países. O que “deixa alguns buracos de bala e cicatrizes de facas”. Meio sarcasmo, meio a sério, o comentário de Fernando Ribeiro sobre os 30 anos dos Moonspell denuncia um reconhecimento: “O segredo é não racionalizar muito”. Importa, sim, “uma mentalidade forte”, ou seja, “resistir e regenerar”, antes de mais.

Leia: Moonspell: 30 anos da banda que se tornou parte de Leiria

“Acho que é essa a dinâmica dos Moonspell, a gente resiste a tudo”, diz o vocalista e letrista dos monarcas do metal gótico português, também tradutor, autor de livros de poesia e contos, cronista do JORNAL DE LEIRIA e antigo comentador da TSF, que não esconde o caminho politicamente incorrecto. “Principalmente nos primeiros tempos, sim, o sexo, a droga e o rock and roll. Na primeira tour, eu tinha 21 anos, seria muito difícil vestir o hábito do monge e não experimentar o que o rock tinha para oferecer”, explica. “Mas, lá está, os Moonspell serem mais importantes do que outra coisa qualquer colocou o travão onde deveria ser colocado”.

Em condições normais, sem confinamentos nem outras restrições, os Moonspell protagonizam 100 a 200 concertos por temporada. Já chegaram a estar metade do ano no estrangeiro, em digressão. “Não é só o principal mercado dos Moonspell, também é o que nos define”, sublinha Fernando Ribeiro. “Temos muita necessidade de tocar lá fora. É o nosso estilo de vida”.

E parece estar a regressar, gradualmente, com o abrandamento da pandemia. Para 2022, têm confirmadas 50 datas, incluindo vários festivais de Verão. Além da Europa, prevêem tocar nos Estados Unidos e na América Latina, por exemplo. A digressão dos 30 anos deverá prolongar-se até 2023, mas, em Portugal, as noites mais importantes são em 2022, nos coliseus de Lisboa e do Porto.

Promete- se uma celebração da discografia, com visitas ao álbum Hermitage (de 2021, entretanto tocado ao vivo nas grutas de Mira de Aire, num espectáculo a editar em 2022) e muitas viagens ao passado.

Em Leiria, o encontro com os fãs acontece já no próximo sábado, 26 de Fevereiro, no Teatro José Lúcio da Silva. A seguir, há dj set de Fernando Ribeiro na after party marcada para a discoteca Stereogun.

Desde o primeiro ensaio na Brandoa, há 30 anos, até ao acumular de palcos no topo do Mundo, há sempre o perigo do cansaço, que só se evita com dedicação, trabalho e alguma inteligência emocional.

“Acho que soubemos muito bem gerir as nossas expectativas, nunca fomos aqueles músicos de investir tudo num carro”. Fernando Ribeiro, o único dos fundadores ainda na banda – além dele, os mais antigos são Pedro Paixão e Ricardo Amorim, desde os anos 94 e 95, respectivamente – diz-se eternamente insatisfeito, sempre motivado para o próximo tema, o próximo disco, o próximo concerto, numa atitude em que “nem a fama nem o dinheiro” são o principal objectivo. “Não somos aqueles rock stars que vão para o hotel, não, quando estamos na estrada somos uma equipa”.

Nestes contextos, “o ego é uma coisa muito voraz”, admite. A reconfiguração dos Moonspell (pela última vez, com a substituição do baterista Mike Gaspar por Hugo Ribeiro) é vista pelo frontman como “um falhanço de toda a gente, quer os que ficam quer os que vão”. Mais claro ainda: “Não conseguimos gerir os nossos egos”. Daí, a conclusão: “Os que ficaram não foram, se calhar, os melhores músicos ou os mais carismáticos mas foram as pessoas mais abnegadas, que trabalharam mais”.

Com uma formação estável nos últimos 15 anos, até à saída de Mike Gaspar em 2020, a longevidade dos Moonspell deve-se, também, a decisões que procuram colectivamente “o que é melhor para a banda”, salienta Fernando Ribeiro. “Somos os Moonspell, mas os Moonspell são algo mais do que nós”.

Não explica tudo, mas explica muito. “Os Moonspell tiveram sorte, fizemos uma música que as pessoas gostaram, quando aparecemos éramos uma coisa completamente ovni no metal português”, analisa. Acabaram por transformar-se numa “banda com cultura europeia” e “portuguesa”, a “aproveitar o espírito do mundo”, onde continuam felizes. E há muito tempo que as melhores expectativas estão ultrapassadas. “Nunca na minha vida pensei ter uma carreira assim”.

A partir dos Moonspell, Fernando Ribeiro não abdica de participar na vida pública, seja nacional ou local. E ao mesmo tempo que elogia o sector criativo de Leiria, refere o exemplo das edições Escafandro, em Alcobaça, cidade onde reside. “Cultura é despertar a curiosidade, é criar laços, é criar cena”, justifica. “É importante pensarmos em termos comunitários”.