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Filmou a avó e uma aldeia em Leiria e vai à Berlinale

9 fev 2022 09:05

Terra Que Marca, de Raul Domingues, seleccionado para o Festival de Cinema de Berlim, que começa esta quinta-feira

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Raul Domingues é um antigo aluno da ESAD.CR
Sabrina Marques

Um telefonema do responsável pela distribuição na produtora Terratreme entregou a Raul Domingues aquela que é para ele, e até ver, a melhor notícia do ano: Terra Que Marca tem estreia mundial agendada no Festival de Cinema de Berlim, na selecção oficial da secção Fórum.

Na segunda longa-metragem da carreira, o realizador de Leiria filma a avó materna, Maria Alice, na aldeia onde ambos vivem, o Casal da Quinta. O dia a dia de trabalho agrícola nos campos da freguesia de Milagres vai, assim, à próxima edição da Berlinale, que se realiza entre 10 e 20 de Fevereiro.

Ao longo de aproximadamente uma hora, acompanha-se o gesto, o cuidar, o semear, o regar, o cavar, com familiares e vizinhos de Raul Domingues, que observa a transformação no contexto que conhece desde a infância, aonde agora regressa com uma câmara e outro olhar.

“Há sensações que apenas quem convive com a terra algum tempo pressente”, explica. “Desde que comecei a filmar, comecei a sentir algo diferente. Algo está a mudar na terra e ela revela-o no seu comportamento, no clima, nas plantas e em nós próprios. Há movimentos imperceptíveis. O tempo humano não é o único tempo da terra. Quanto tempo só para comer uma laranja”, comenta, citado na nota de divulgação do filme.

O ritmo da ruralidade exibe uma ligação ancestral – “Conta-se que, em tempos, vieram dois malfeitores cumprir a pena de tomar conta desta terra desabitada e em pousio. A sua sentença passou de geração em geração e foi herdada pelos homens que a trabalham. Uma mulher descalça ajeita a terra e é surpreendida por uma folha”, lê-se na sinopse – e é o ponto de partida para expor “esta relação que podemos ter com a Natureza”, que “traz alguma paz de espírito”, afirma ao JORNAL DE LEIRIA. “A questão ambiental fascina-me imenso e tenho bastante interesse em continuar com esta temática”.

Iniciado em 2015 e acabado em 2021, Terra Que Marca demora-se no detalhe e no momento e aborda o sacrifício e a obrigação do trabalho, o minifúndio impulsionado pelas partilhas e a consequência do abandono da agricultura nas últimas décadas. É uma espécie de “documentário experimental” sem guião pré-definido, com uma narrativa descoberta na montagem, também com assinatura de Raul Domingues, 30 anos, antigo aluno da Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha (ESAD-CR) do Politécnico de Leiria. “Gosto do cinema por conseguir expressar-me com imagens e sons. Prefiro mostrar do que escrever ou falar”.

Anteriormente, Raul Domingues, que vive e trabalha entre Leiria e Lisboa, realizou a curta Alice e Darlene (2013, com presença no IndieLisboa) e a longa metragem Flor Azul (2014, também sobre o quotidiano da aldeia, com estreia na competição nacional do Doclisboa).

Terra Que Marca envolveu as produtoras Oublaum, Etnograf e Terratreme. É acompanhado na secção Fórum da Berlinale 2022, para filmes mais experimentais e transversais entre géneros, pela co-produção luso-brasileira Mato Seco em Chamas, de Adirley Queirós e Joana Pimenta, O Trio em Mi Bemol, de Rita Azevedo Gomes, e Super Natural, de Jorge Jácome.

Outras produções ou co-produções portuguesas seleccionadas são Nada Para Ver Aqui, de Nicolas Bouchez, Aos Dezasseis, de Carlos Lobo, e Águas do Pastaza Juunt Pastaza entsari, de Inês T. Alves, realizadora natural de Caldas da Rainha, na competição Geração 2022, além de By Flávio, de Pedro Cabeleira, nas curtas metragens.