Desporto

Irina Rodrigues: "Ninguém brilha mais por a luz dos outros estar apagada”"

14 jul 2016 00:00

Aos 25 anos, a lançadora do disco de Leiria vai participar nos segundos Jogos Olímpicos do palmarés. Fala dos sacrifícios da profissão, mas também da esperança que a guia.

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Jacinto Silva Duro

A Irina andou uma década na natação e depois, já no atletismo, foi no mesmo ano campeã nacional de juvenis do salto em altura, do lançamento do peso e do lançamento do disco. Esta é a prova com que sempre sonhou ir aos Jogos Olímpicos?
Acima de tudo o sonho é ir aos Jogos Olímpicos, mas se me dessem a escolher entre salto em altura e lançamento do disco – e tivesse o mesmo potencial para ambas - admito que seria uma opção difícil. Quando era juvenil e fui campeã nacional no salto em altura, o professor Favas, que era de Caldas da Rainha, disse-me que deveria escolher entre o salto em altura e o lançamento do disco, mas o Paulo Reis, que ainda hoje é meu treinador, garantiu logo que seria lançadora. Segui os conselhos dele, que é uma pessoa que tem experiência, e agora percebo que para ser saltadora de nível internacional precisava de muito mais do que tenho. Basta olhar para o meu corpo para perceber que sou de um género muito mais para o gordinho do que para o magrinho. Seria muito difícil, teria de fazer uma enorme restrição diária calórica, o que me iria afectar imenso psicologicamente. Tenho uns braços muito grandes, uma envergadura muito superior à minha altura e foi ela que me destacou sempre e permitiu ver que era por ali que podia seguir este sonho. Claro que a devo ao facto de ter nadado durante dez anos. Alargou-me muito as costas e permitiu-me desenvolver os membros superiores.

A sensação de ir aos segundos Jogos Olímpicos é a mesma da primeira vez?
Nos primeiros foi mais especial. Vinha de um ano muito difícil a nível pessoal e o médico da Federação Portuguesa de Atletismo disse que seria muito difícil ir a uns Jogos Olímpicos ou ter uma presença internacional nesse ano. O facto de ter conseguido foi como vingar-me de tudo e de todos, até de mim. Se era improvável, mesmo por razões médicas, como consegui? Foi Deus que me ajudou. Muitas pessoas duvidaram e houve até quem pensasse que estava dopada, o que é muito triste, porque trabalho muito e sacrifico-me imenso pela minha carreira.

Há muita maledicência neste meio?
Sim, tem que ver com a educação e a personalidade de cada um. O facto de as pessoas criticarem é algo que me deixa triste, porque não têm a noção dos sacrifícios que se fazem. Deixa-se, às vezes, de se ter uma vida. Tento fazer o meu caminho, fico feliz com os resultados dos outros, e penso sempre que ninguém brilha mais por a luz dos outros estar apagada.

Falou em sacrifícios.
O maior é deixar de poder estar com as pessoas de quem gosto. Depois, é o sacrifício do próprio corpo. As dores que tenho de suportar todos os dias – e quase todos os dias acordo com dores de costas – é algo que me deixa a pensar muito seriamente no futuro, até porque tenho tanto para viver que tenho medo de como isto vai acabar. São os ossos do ofício, mas não é em vão que se considera uma profissão de desgaste rápido.

E depois as coisas podem não correr bem, como no Europeu da semana passada.
Põe-se tudo em causa?
As primeiras 24 horas são muito difíceis: chora-se muito, não se entende porquê. Sempre ouvi dizer que o trabalho compensa e é triste quando uma pessoa trabalha tanto e as coisas não saem como estava planeado. Tenho a certeza de que nunca estive tão bem preparada em toda a minha vida para uma grande competição. É muito complicado gerir todas estas emoções, mas depois, nos dias seguintes, tento pensar no meu grande lema. Depois da tempestade há-de vir a bonança.

Sente que as pessoas duvidam que conseguirá um bom resultado nos Jogos Olímpicos?
O mais fácil é duvidar, mas prefiro focar-me nas pessoas que me deram muita força e estão comigo nas horas difíceis. Esta vitória de Portugal no Europeu de futebol trouxe uma onda positiva, de esperança para os portugueses. Espero entrar na onda e que tudo isto nos ajude a seguir em frente, a darem-nos mais valor e a mostrar do que somos feitos. Domingo foi um dia fabuloso para o desporto nacional e sei que o meu dia também vai chegar. Mais cedo ou mais tarde, mas sei que vai chegar. Não foi desta vez, mas será algum dia.

O facto de Tsanko Arnaudov ter conquistado a primeira grande medalha internacional do sector dos lançamentos é um tónico?
Foi muito importante e fiquei genuinamente feliz, que é o mais importante. Ter um lançador que chegou tão longe pode permitir que o sector ganhe força e visibilidade. Nunca tínhamos conquistado uma medalha em grandes competições de seniores e foi uma inspiração. É um miúdo muito humilde, também trabalha muito e para o nosso sector foi fantástico. É o reconhecimento que merecíamos há muito tempo, porque o atletismo é mais do que meio-fundo e saltos.

Qual é a importância do factor psicológico no rendimento?
O Éder, da selecção de futebol, frisou bastante a importância de ter um mental coach, a pessoa que lhe deu confiança para ser o herói da final. Ter um psicólogo ajuda a ter confiança no nosso trabalho, a estarmos calmos, a termos uma melhor relação com o nosso treinador e a desvalorizar o que não tem importância. É quase como um catalisador que acelera todo o processo. Só nos focamos no que realmente interessa e isso faz toda a diferença, porque pensar demais, às vezes, prejudica e o psicólogo pode ter uma intervenção e ajudar muito, porque a envolvente pode ter um impacto muito marcante na prestação de um atleta. Se a cabeça não estiver muito bem, a performance ressente-se. Aí é que o apoio do mental coachou do psicólogo desportivo. O treinador tem um trabalho muito importante na preparação, mas no dia da competição, a técnica e a força podem estar muito bem, mas é a mente que vai fazer a diferença.

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