Viver
Lentriscas em Castelo: O Reguengo lava mais alto!
Maria, a matriarca de uma família amiga, uma senhora que há 90 anos espalha magia lá para os lados de São Mamede, tem vindo a transmitir a sabedoria que acumulou ao longo dos anos à nossa Arma Gémea: José, seu filho.
Texto de Bruno Monteiro/Fotos de Ricardo Graça
Marcámos encontro às sete da manhã, aparecemos por volta das 11, mas já com o café tomado (não gostamos de abusar). Eles já tinham amassado, levedado e cozido o pão e nós começámos numa azáfama infernal para que não houvesse pormenor que se escapasse ao nosso olhar acutilante.
Após uma entrevista extenuante revitalizada por meia-dúzia do melhor pão com chouriço do Universo (que toda a gente sabe que é o verdadeiro Gatorade), percebemos que aquilo é agulho para um lado, lenha para o outro… forno branco (muito importante) et voilá… crosta, miolo, sabor, calor… Rock’n Roll!!! Depois desta tarefa árdua, e por uma questão de educação, oferecemo-nos para almoçar.
A Guida cozinha como uma Deusa e eram favas e arroz de feijão com entrecosto e eles estavam com ar de quem precisa mesmo mesmo de companhia… e nós não gostamos de falhar… Entrámos em modo mesa, e, ali pela terceira garfada, deu-se a magia, a nossa lucidez irrepreensível acicatada pelo vinho consumido com parcimónia fez-nos perceber que afinal o mundo gira à volta das favas com entrecosto e que o big bang se deu algures entre São Mamede e o Reguengo do Fetal… aquela leguminosa cultivada com o cuidado requerido, colhida no tempo certo e tratado com o respeito que um produto desta qualidade merece… no fundo… favas que não morreram em vão.
Acompanhadas por fumeiro local, cada garfada era uma sinfonia de complexidade: as texturas, o ligeiro toque amargo do vegetal que equilibrava de forma sublime com o entrecosto, o chouriço e o negrito numa dança de untuosidade porcina… somos rapazes simples que apreciam as coisas simples da vida…
A Brisa do Lis da Guida, chefe, proprietária e alma do restaurante Esplanada do Alto do Reguengo, é uma carícia na tua diabetes…. É um jogo de crocâncias e veludâncias. Tudo nesta brisa é MAIS! Os ovos caseiros potenciam a cremosidade, a amêndoa forma uma fina camada vítrea que apunhala de forma indolente a cremosidade do flã enquanto ruminamos alegremente.
É uma ode aos Deuses (aos outros Deuses… hoje decidimos não falar de falar de nós). Este produto é uma das bandeiras da nossa região e esta é uma interpretação magnifica.
Este foi um grande momento gastronómico o pão caseiro, as favas de maio, a Brisa do Lis (pelo meio ainda houve um magnifico arroz de feijão). Houve também a sabedoria de uma vida materializada num momento de prazer para todos os que tiveram a sorte de se sentar naquela mesa pois o respeito pela sazonalidade e o produto local nas mãos de quem o sabe cuidar são a base da melhor cozinha…
Há uma linha temporal onde conhecimento, utensílios, lugares e modos se conservam de geração em geração. Gastronomia também é família, é um fator agregador onde à volta de uma mesa se exorcizam os fantasmas do quotidiano, como um bálsamo reparador contra os mecanicismos da vida onde podemos exultar o que realmente é importante.
É sempre especial sermos acolhidos por esta generosidade tão genuína, são momentos criados por um grupo de amigos que entendem a importância dos lugares-comuns, dos pequenos nadas que fazem a vida valer a pena… são momentos perfeitos.
Em suma as conversas, a cumplicidade, a partilha, a amizade ir-se-ão agregar num mar de memórias onde a cadência dos encontros embate como ondas nas minudências da vida… aflorando no final a espuma da verdade.