Sociedade

Luís Ramos Lopes: "não há nenhum país do mundo que consiga reunir tamanha qualidade e diversidade de vinhos"

27 jul 2017 00:00

O crítico que há 28 anos escreve sobre tintos e brancos diz que Portugal só explora 5 a 10 por cento do potencial vitícola e garante que há dezenas de castas à espera de se tornarem estrelas internacionais.

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Que pontuação dá aos vinhos portugueses, de zero a 100?
Cada vez estou mais entusiasmado com os vinhos portugueses. Temos cada vez mais singularidade, para além da qualidade. E não sou só eu. Se pensarmos nos críticos internacionais, e numa escala de zero a 100, que é aquela que muitos norte-americanos praticam, os vinhos portugueses estão quase sempre acima dos 90 pontos. Os melhores vinhos portugueses estão entre os melhores do mundo.

Temos vários ronaldos no sector dos vinhos em Portugal?
Claramente. O que falta será algum reconhecimento, não digo do crítico internacional, porque esse reconhece a qualidade, mas do consumidor internacional.

O cenário que descreve é fruto do trabalho feito nos últimos anos?
Temos de ser humildes e reconhecer que no sector do vinho, se exceptuarmos o Vinho do Porto, que é um caso à parte, o conceito de qualidade generalizada é algo que não tem 20 anos, em Portugal.

Durante muitos anos fizemos vinhos maus?
Durante muitos anos a nossa orientação era para a quantidade e não para a qualidade. Os consumidores a que se destinavam os vinhos portugueses não valorizavam a qualidade. A partir do final dos anos 80 começou a haver uma consciencialização maior da necessidade de fazer bons vinhos, porque o próprio mercado começava a mudar.

A tornar-se mais exigente.
Muito mais exigente. E aí os vinhos portugueses deram um passo de gigante. Começou na vinha, com melhores práticas culturais, melhores castas, castas mais adaptadas ao terreno, critérios que permitem olhar para a uva como fruta destinada a produzir vinho de qualidade.

Temos condições de base, climatéricas e geográficas, que são uma vantagem?
Não há nenhum país do mundo que consiga reunir num espaço tão pequeno como Portugal tamanha qualidade e diversidade de vinhos. As condições naturais são fantásticas. Temos uma diversidade de solos tremenda, temos mais de 250 castas indígenas, é um património único.

Há um potencial para surpreender o mercado ainda latente?
Portugal está talvez a 5 ou 10 por cento do seu potencial, em termos vitícolas. Temos dezenas e dezenas de castas que podem tornar-se estrelas daqui a 20 ou 30 anos.

Nota evolução nos últimos anos ao nível técnico?
Claro. Essa é uma parte importante. Foi com fundos europeus que modernizámos as adegas, hoje ao nível do melhor do mundo. Mas de nada serviria se não tivéssemos recurso humanos competentes, bem formados e conhecedores. E isso é algo que se começou a construir no final dos anos 90, com uma nova geração que hoje está espalhada por todo o País.

A nova geração trouxe inovação?
Trouxe inovação e, a partir de determinada altura, quando sente mais segurança, começa a libertar-se e a experimentar muito. Até porque o mercado procura diversidade e singularidade. Em produtos de nicho, é óbvio. Não podemos esquecer que a esmagadora maioria dos vinhos vendidos em Portugal, diria 95 por cento, são vendidos abaixo de três euros. Aí não dá para brincar, é preciso fazer vinhos consensuais.

Essa realidade pode mudar?
Era bom que mudasse, porque o vinho precisa de ser mais valorizado. Na verdade, há muito produtor a perder dinheiro, ao preço a que vende o vinho.

E depende de que factores?
Depende do poder de compra, mas também de alguma limpeza do lado dos agentes económicos. Existem demasiados produtores não profissionais. Gente que está no vinho por paixão, exclusivamente, mas com pouca racionalidade. São pessoas que têm outras profissões, outras fontes de financiamento. Temos de perceber que fazer vinho não é uma brincadeira, é uma actividade profissional. E houve muita gente que pensou que o vinho podia funcionar como hobby. Não pode. O mercado é extremamente competitivo e exigente.

Esses projectos acabam por desestabilizar o mercado?
Esse é o problema. Quando começam a ver que estão a perder dinheiro, começam a entrar em desespero e a vender a qualquer preço.

O mercado está saturado?
Tem marcas a mais e sobretudo tem demasiadas marcas que têm na sua origem uma estrutura não profissional.

O peso da grande distribuição distorce a relação do produtor com o consumidor?
É uma realidade inevitável e não podemos esquecer que a distribuição moderna democratiza o vinho, tem um papel crucial no negócio. E ajuda a levar qualidade até ao consumidor final, em Portugal e em qualquer parte do mundo. Vamos ao supermercado e por três euros compramos um vinho que nos dá prazer beber. Isto não acontece em França, Itália, Inglaterra.

Olhando para as quantidades de produção e de consumo, não há espaço para todos os produtores em Portugal?
Se contássemos só com o mercado interno estávamos desgraçados. Temos mais produção do que consumo, mas, atenção, Portugal também importa vinho a granel, sobretudo de Espanha, para os segmentos mais baixos de preço.

Cada vez mais a exportação é a saída?
É fundamental. Mas o consumo em Portugal está a disparar. Portugal neste momento tem o maior consumo per capita do mundo. É um fenómeno atípico, porque a tendência nas últimas duas décadas, a nível mundial, nos mercados tradicionais, é beber menos vinho, mas melhor. Há uma inversão em Portugal. Como é que se explica? Turismo.

Qual é o estatuto real do vinho português? O made in Portugal é reconhecido? Começa a ser reconhecido. Mas deixe- me dar-lhe um exemplo da resiliência e capacidade de adaptação dos empresários portugueses do sector do vinho. O mercado estava extremamente dependente de Angola. O restaurante que mais Barca Velha vende no mundo inteiro está em Luanda. Para lá vai desde o vinho mais barato ao vinho mais caro. Com a crise do petróleo e de divisas, o mercado caiu mais de 50%. Podia ter sido um rombo absolutamente dramático, só que os empresários portugueses conseguiram abrir novos canais de comercialização e entrar noutros mercados. E os Estados Unidos da América são hoje o nosso principal mercado.

Os críticos e concursos de vinhos têm um peso demasiado grande na percepção da qualidade?
á concursos e concursos. Mas, de facto, o consumidor ainda não sabe distinguir, interessa é a medalha na garrafa, que tem importância, sobretudo, na distruibuição moderna, porque destaca aquele vinho na prateleira. Junto do consumidor mais exigente não tem qualquer valor, aliás, os vinhos mais caros, mais ambiciosos, nem sequer concorrem. Já no que diz respeito à opinião dos críticos, essa sim, é mais valorizada no segmento superior, o das lojas de vinhos, garrafeiras e restaurantes.

Mas ao ponto de criar ou destruir uma marca?
Espera-se que isso não aconteça. Não me parece que tenhamos em Portugal o peso de criar ou destruir uma marca. Aliás, a nível mundial, existirá apenas um crítico que tem esse poder, o Robert Parker, nos Estados Unidos da América, que também é muito criticado por isso. Não é um poder que se queira ter.

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