Sociedade
Manuel Carvalho: “Pensar nos custos, é praticar boa medicina”
Coordenador da USF Santiago, em Leiria, revela que esta Unidade de Saúde Familiar está em processo de acreditação e afirma que este modelo presta cuidados de melhor qualidade aos utentes a um custo menor.
Que balanço faz destes dez anos da Unidade de Saúde Familiar (USF) Santiago?
É um balanço positivo. Esta USF é uma das primeiras a nível nacional. No início, o objectivo era abraçar a reforma dos cuidados de saúde primários numa perspectiva de melhoria de prestação de cuidados aos utentes e criar uma motivação extra para inovarmos em algumas áreas. Passados estes anos, a equipa é o dobro daquela que estava no início, assim como o número de utentes que abrangemos - cerca de 12500 - e temos oferta de cuidados que na altura não existiam. Se olharmos para o resultado de inquéritos, o grau de satisfação dos utentes e dos próprios profissionais leva-nos a pensar que estamos no bom caminho, não obstante as dificuldades que temos inerentes à prestação de serviços e à cada vez maior exigência que os utentes nos põem. Estou à frente de uma equipa que me mantém motivado para prosseguir e querer fazer sempre mais e melhor. Actualmente, estamos em processo de acreditação, o desafio máximo em termos de qualidade. Agora, estamos num patamar em que já estamos a ter alguns constrangimentos.
Quais são?
Tem a ver com a capacidade de decisão sobre os nossos problemas. Ou seja, quando uma estrutura já está num certo nível de desenvolvimento, isso implica que haja alguma flexibilidade de resposta. Mas como temos de reportar a Coimbra, porque Leiria não tem autonomia praticamente nenhuma, demora muito tempo.
As USF precisam de mais autonomia?
Sem dúvida. Fomos criados com uma grande autonomia e os resultados estão à vista. Autonomia na escolha das pessoas, dos equipamentos e no tipo de instalações. Despachava directamente com Coimbra. Agora não tenho interlocutor, nem autonomia, o que nos cria alguns constrangimentos.
A USF tem sido escolhida por jovens para fazerem o seu internato médico. O que ganha com isso?
A componente formativa valoriza o nosso trabalho e tem sido uma das nossas causas, a par de tentar melhorar a prestação de cuidados dos utentes. Dá-nos um certo gozo perceber que esta USF é a primeira escolha dos jovens para fazerem a sua formação. O mérito é de todos aqueles que aqui trabalham. De ano para ano também têm vindo estagiar cada vez mais médicos de internato geral e isso também tem sido mérito do hospital de Leiria. Começa a criar-se na zona de Leiria um cluster da saúde. Nestes dez anos, já saíram daqui cerca de uma dezena de especialistas na área da Medicina Geral e Familiar. Actualmente temos aqui sete jovens médicos que ao fim de quatro anos vão ser colocados nas várias USF ou Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados.
Como coordenador de uma USF, o que vem em primeiro lugar, a saúde ou os custos?
Naturalmente que é a saúde, isso nem se questiona. Uma das prerrogativas das USF é que conseguem fazer melhores cuidados a menor custo, porque somos mais disciplinados, somos auditados e auto-auditados. Já lá vai o tempo em que o médico prescrevia sem olhar o que é que prescrevia. Isto sai dos nossos impostos. A racionalidade do acto médico a pensar nos custos, é praticar boa medicina.
Como explica que no mesmo edifício a USF funcione de forma eficaz e o centro de saúde não dê resposta? Parece que há utentes de primeira e de segunda.
A criação das USF obriga a que haja um contrato de prestação de serviços com a tutela, onde estão estabelecidos parâmetros de qualidade, de acessibilidade, de quantidade e diversidade de prestação de serviços, o que não existe nos centros de saúde ortodoxos. Ou seja, o nível de exigência para essas unidades não é o mesmo que é para as USF e, naturalmente, isso reflecte-se. Se fosse cidadão e não estivesse numa USF questionava-me ou tentava ir para uma, pois parece que efectivamente há cidadãos de primeira e de segunda. Mas a formação das USF é feita de forma voluntária e os outros técnicos de saúde têm a mesma legislação e também se podem candidatar. No ano passado tivemos quase um ano e meio sem dois médicos e com o esforço de toda a equipa conseguimos manter o nível de prestação de cuidados de saúde. Naturalmente que isso saiu do nosso esforço porque há o tal espírito de compromisso da equipa. Isso foi algo que me deu bastante orgulho. Apesar de existirem alguns conflitos, ninguém se desviou do objectivo final que era atingir as metas a que nos tínhamos proposto. À medida que se foram constituindo as USF foram-se escolhendo os melhores. Os outros não podem ser expulsos, mas continuam a ter o seu direito a trabalhar. Por que não foram escolhidos? Ou porque não têm vontade de inovar, ou porque são pessoas que não estão no lugar certo. É por essa razão que ainda existem os centros de saúde. A minha esperança é que a breve prazo todos sejam USF.
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