Viver
O espaço público “tem de ser estimulado para realmente acontecer”
O Til, colectivo de designers e arquitectos, protagonizou no Mapas a performance Campanha Inaugural, um circuito com sete pontos de visitação
Em comparação com a vossa abordagem nos projectos anteriores, o que mudou na performance do colectivo Til inserida no Mapas?
Em primeiro lugar e logo à partida foi o lado performático do nosso trabalho. Até então os vários projectos que desenvolvemos não envolviam criar uma performance ou transformar o próprio processo numa performance, este foi um desafio que assumimos desde o início. Para além deste, houve mais dois factores que o desafio específico do Mapas alimentou e que são de certa forma distintos de processos criativos anteriores. Um prendeu-se com a ideia de movimento. Aproveitando a itinerância inerente à carrinha queríamos fazer algo em movimento, mas pela paisagem urbana e, como tal, que partilhava algo da sua fluidez e falta de limites. Isto conduziu fortemente o processo num momento inicial de re-conhecimento de Leiria e seus espaços urbanos. Isto, por sua vez, liga-se com o segundo factor que tem a ver com escala. Este projecto abarca uma escala muito maior, mais ampla, relativamente a projectos anteriores que, muitas vezes, partiram de uma dedicação muito atenta a um sítio em particular. Na Campanha Inaugural, a nossa escala passou a ser totalmente diferente, não a do centro histórico, não a de um bairro, nem mesmo a da cidade, mas a de uma entidade muito mais porosa e viva que podemos designar de urbanização. Por isso, mesmo que cada peça da Campanha Inaugural seja um diálogo muito particular com cada local, no seu conjunto elas formam uma narrativa relativa ao território e processo urbano. Esta foi uma oportunidade para explorar uma perspectiva crítica face à cidade nos seus efeitos colaterais que, pela sua periferização, não são tão presentes, mas que nos afectam profundamente e transformam o dia a dia.
Quiseram mostrar o que a vida urbana tem de pior?
Quisemos questionar um pouco a noção corrente do que é a vida urbana, que talvez esteja muito ligada ao centro da cidade e aos pontos reconhecíveis, mas que contém todo este espaço intermédio. Nesse espaço encontramos formas e acções mais negativas que talvez sejam o produto dessa falta de destaque ou valor que lhes é dado. Mas é complexo porque a cidade absorve tudo e estas “malformações” acabam por criar ecossistemas não-intencionais que à sua maneira também se tornam fascinantes, quase como que uma segunda natureza. Por isso a nossa proposta quer ser provocativa e há em alguns casos problemas claros e urgentes que nos parece que devem ser abordados; mas não explicitamente qualificativa, propondo que cada um olhe por si. Com as peças e os nomes que lhes atribuímos quisemos “inaugurar” essa massa cinzenta, para que também estas áreas pudessem ser reconhecidas, vividas e fazer parte da discussão da cidade.
Na vossa opinião, a transformação do espaço público é uma responsabilidade de quem gere a cidade, mas, também, de quem a habita?
Sim, na forma como encaramos o que é o espaço público, temos sempre que considerar todos os agentes que nele participam e não o ver apenas como uma mera questão de gestão pública a cargo dos representantes políticos. Não achamos que se deva entendê-lo como um dado adquirido, mas um espaço negociado que tem de ser estimulado para realmente acontecer. Para além disso também temos em conta que este não se liga apenas ao espaço físico mas a todas as actividades que dizem respeito à cidade enquanto colectivo.
E o espaço público em Leiria é participado e estimulado, nomeadamente, pelos leirienses, por quem vive no concelho e vive a cidade?
Não nos cabe a nós tirar essa medida ou fazer esse juízo acerca de algo tão colectivo e que diz respeito a universo tão diverso de pessoas. Dito isto, se alguns dos nossos trabalhos têm insistido nessa participação é porque acreditamos que é importante esse estímulo. Uma das coisas que procuramos quando lidamos com o espaço público é que a peça não seja em si uma opinião mas sim uma plataforma para que várias opiniões possam surgir. Não esquecendo que os nossos meios são predominantemente o espaço, os objectos e os materiais, fascina-nos a ideia de peça em aberto que tenha uma qualidade de inacabado para que possa ser apropriada ou julgada de forma plural. Se partíssemos de um juízo ou expectativa definidos sobre as pessoas que vão interagir com ele estaríamos a contrariar esse propósito.
Como avaliam o desempenho da Câmara Municipal de Leiria na interpretação e gestão do espaço público ao longo dos últimos anos?
Mais uma vez, isto é uma questão para todos e todas as leirienses e não particularmente para nós. Na nossa relação com a CML nem sempre as prioridades que vimos, nomeadamente no centro cívico, foram aquelas que procuramos e defendemos e que se prendiam exactamente com o criar espaços de participação e auscultação para os moradores. Muitas vezes esta falta de conteúdo partilhado é encoberta com emblemas institucionais, sem que correspondam à verdadeira vivência da cidade. É algo que também a Campanha Inaugural aborda quando utiliza essas ferramentas do poder em espaços muito pouco institucionais. Interessou-nos falar dessas dinâmicas mais do que de um caso ou local em particular. Em qualquer caso, isto é uma discussão mais abrangente, que diz respeito não só a Leiria e que precisa de ser a mais vozes.
Com que missão o colectivo Til existe?
O colectivo não tem uma “missão”. Sendo um colectivo, somos fruto de várias vontades, motivações, interesses e opiniões que aqui se unem para se estimularem mutuamente e co-criar, o que é um processo muito rico. Há também um conjunto de afinidades que podemos dizer que nos movem a todos. Acima de tudo o aprender fazendo, a prática como forma de aprender, questionar e reinventar. Depois acreditamos em trabalhar segundo um conjunto de linhas orientadoras que incluem temas como a ecologia dos materiais, os processos inclusivos e participados ou a economia circular.