Viver

Palco. Te-Ato quer transformar ilhas num Arquipélago com voz

27 jan 2023 09:44

Encontros uma vez por mês, para descobrir a arte fora do mainstream, no novo projecto Arquipélago, do Te-Ato, em Leiria

palco-te-ato-quer-transformar-ilhas-num-arquipelago-com-voz
João Lázaro: “Na última quinta-feira de cada mês, iremos cruzar formas de expressão artística, no que se pretende uma cumplicidade de sentires e onde todas as formas de arte têm lugar”. A primeira sessão realiza-se em Fevereiro
Ricardo Graça

Pode estar a nascer em Leiria “um movimento contra-natura” para defender “a arte que brota das pessoas” e “é livre”? Para unir artistas e criadores e levá-los de ilhas “na sua anónima expressão” a arquipélagos com “cidadania, nome e visibilidade”? É esse, pelo menos, o objectivo do novo projecto do Te-Ato, que após 46 anos de actividade abre a Sala Jaime Salazar Sampaio a uma nova prática: a divulgação.

“Nós queremos é que esta gente se encontre”, comenta o director artístico, João Lázaro. Os que “não fazem parte do mainstream”, que “não são apoiados, não são subsidiados”, os anónimos. “É este território que não podemos deixar morrer”.

“É um palco aberto, uma coisa orgânica”, refere ao JORNAL DE LEIRIA. Através de uma iniciativa cuja regra “é não ter regras”, o Te-Ato pretende “juntar diversas ilhas para constituir um arquipélago muito grande” e conseguir “que pessoas tragam pessoas”, uma vez por mês. “Não é só programação”, realça o actor e encenador. “Há aqui uma função social que ultrapassa a mera programação”.

O primeiro episódio do Arquipélago acontece a 23 de Fevereiro, na Sala Jaime Salazar Sampaio, perto do Terreiro. Com início às 21:30 horas, encontram-se “a escrita inquieta de João Rato” e o “dizer sonoro no saxofone de Duarte Sá”, antecipa João Lázaro, num texto sobre o projecto. Em Março, o foco incide sobre o rap e as tatuagens.

“Na última quinta-feira de cada mês, iremos cruzar formas de expressão artística, no que se pretende uma cumplicidade de sentires e onde todas as formas de arte têm lugar”, descreve. “Mensalmente se prolongarão estas descobertas, que se pretendem orgânicas, participadas e com o nosso compromisso de escutar sugestões”.

Duarte Sá tem 18 anos e estuda saxofone no Orfeão de Leiria, além de integrar a Filarmónica do Soutocico e a Banda Sinfónica de Alcobaça. Também residente em Leiria, João Rato, de 22 anos, é um antigo aluno da Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha.

Arte maltratada

Arquipélago surge num período em que “a arte está a ser muito maltratada” em Portugal e no teatro “a situação é angustiante”, considera João Lázaro. “As pessoas andam a confundir os posters que compram na loja à saída do museu com os quadros que estão lá dentro”, atira. Ao mesmo tempo que “escolas de pensamento” como a Cornucópia encerram, a Direcção-Geral das Artes “financia projectos ocos, serôdios”. Ou seja, “alguma coisa está mal”.

“Ando à rasca com o que se está a passar neste País”, diz o director artístico do Te-Ato. “A uniformização, a padronização, é uma auto-estrada para o fascismo”.

Uma vez por mês, a começar já em Fevereiro, o Te-Ato ambiciona, então, sublinhar “aquilo que deve ser a função da arte”, uma forma “de o Homem encontrar coisas maiores do que ele próprio” e de se relacionar com os outros, afirma João Lázaro. “Tenho vindo a conhecer imensa gente muito interessante”, diz, “putos que me deixam completamente maravilhados, pela frescura, pelas ideias, a criar com reflexão política”.

Se a arte é “o contraponto da guerra, da distopia, da ganância, do individualismo narcísico”, conforme nota no texto sobre o projecto, os encontros Arquipélago pretendem albergar “a inquietação que visa reflectir sobre o bem comum” e um produto “maior que o eu do criador”.

“Um território mental da diversidade, onde cada um possa encontrar o seu sentido numa vida útil, na realização pessoal e na expressão criativa”, explica o director artístico do Te-Ato, companhia fundada em 1977.