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Prisão de Leiria estreia sala de espectáculos. Reclusos dançam e abrem palco à cidade
Projecto da SAMP com coreografia de Clara Leão decorre no centro de artes performativas Pavilhão Mozart
O centro de artes performativas Pavilhão Mozart já estava a funcionar no Estabelecimento Prisional de Leiria – Jovens (EPL-J) mas esta semana assume pela primeira vez a valência de sala de espectáculos aberta à comunidade.
A produção de dança Sair da Bruma, com conceito e coreografia de Clara Leão, conta com oito intérpretes, todos eles actualmente reclusos. Tem apresentações nos dias 6, 7, 8 e 9 de Fevereiro e, na tarde de sexta-feira, inclui uma sessão com público vindo de fora da instituição.
O acesso é gratuito mediante inscrição prévia junto da SAMP – Sociedade Artística Musical dos Pousos, que lidera o projecto.
“Este é o espectáculo de estreia do Pavilhão Mozart como sala de espectáculos”, sinaliza David Ramy, o coordenador do Mozart On, que, entre outros objectivos, pretende estimular a autonomia dos jovens do EPL-J e ensinar-lhes “a usar as instalações e os equipamentos” para que “em 2025 sejam eles a programar o ano todo”.
Nesta residência artística de dança, contribuem já como bailarinos e técnicos. Ainda em 2024, estão previstas duas micro-óperas, com a participação de Paulo Kellerman (texto), João Santos (música) e Joaquim Dâmaso (fotografia).
Sair da Bruma é o resultado de uma residência artística iniciada em Outubro, dois dias por semana.
“Este trabalho é muito especial, não por eles serem reclusos, mas pelo facto de serem pessoas que nunca dançaram na vida, a não ser socialmente”, comenta Clara Leão com o JORNAL DE LEIRIA. E, também, “pelo ambiente de confinamento e, obviamente, pela revolução de pensamentos e emoções que eles vivem pela circunstâncias em que estão”.
O espectáculo, criado a partir de conversas com o elenco, procura, segundo a coreógrafa, revelar em palco o que os protagonistas “sentem como mais importante” e expõe “um caminho que fala do que os levou a estarem ali”, na cadeia. “A construção coreográfica é minha mas tem por trás as intenções deles”.
“É um trabalho muito difícil de fazer para quem nunca o fez, seja recluso ou não”, porque pressupõe “uma grande exposição física”, assinala Clara Leão, que há anos vem desenvolvendo em Leiria iniciativas com a população prisional. “Eles surpreenderam-me todos”, realça. “Admiro-os imenso”.
A coordenadora de projectos da SAMP, Raquel Gomes, salienta que “o que vai acontecer esta semana na prisão escola de Leiria nunca ali aconteceu, em tempo algum” e configura “um novo rosto do [projecto] Ópera na Prisão”.
“Dentro de poucos meses teremos novos espectáculos para serem reproduzido neste espaço, e assim desejamos que se perdure para sempre, uma nova sala de espectáculos aberta ao público dentro da prisão escola de Leiria”, refere, numa nota publicada nas redes sociais.
“A SAMP fez o mais difícil, agora está nas mãos da comunidade/sociedade despir-se de preconceitos e olhar para o Outro sem julgamento, acreditando que a Arte pode transformar, e dando oportunidade de se reestruturarem novas vidas e novas formas de olhar, sentir e viver o Mundo”.
O projecto Mozart On é financiado com apoios do programa Partis, Fundação Gulbenkian e Fundação BPI La Caixa e tem como parceiros a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o Município de Leiria e a Escola de Dança Clara Leão.
“Sair Da Bruma
Quando as circunstâncias ou as opções nos deixam longe do que na verdade somos,
ou do que acreditamos poder ser,
o lugar onde ficamos enche-se de silêncios,
solidão e bruma.
Ouvir o que nesse silêncio diremos a nós próprios,
e entender o outro que sente,
talvez, como nós, é o caminho para sair da bruma”