Sociedade

Quando o povo é quem mais ordena, muitas causas têm um final feliz

17 set 2020 18:00

A propósito da recente vitória da população da Bajouca, que conseguiu travar a prospecção de gás, o JORNAL DE LEIRIA recorda alguns dos movimentos de contestação que tiveram sucesso na região.

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Após dois anos de luta, população da Bajouca conseguiu travar a prospecção de gás na região
Ricardo Graça
Maria Anabela Silva

Quando, naquele início de Novembro de 2018, Jairo Dias tropeçou num documento da Junta da Bajouca, com referência ao interesse de uma empresa para a prospecção de gás na freguesia, estava longe de imaginar que iria também começar ali a luta de uma vida. Sua e de toda uma população que, acabaria por se unir em torno de um objectivo comum: travar as pretensões para a pesquisa de hidrocarbonetos na freguesia.

De um lado, estava a Australis Oil & Gas, um gigante da exploração de petróleo e gás. Do outro, a população de uma pequena freguesia, com menos de dois mil habitantes, no concelho de Leiria. Um desafio de David contra Golias, do qual saiu vencedora não só a população da Bajouca e das povoações vizinhas, que também se associaram à luta, “mas toda uma região e o País, que se viu livre da prospecção de hidrocarbonetos”, frisa Jairo Dias.

O morador nota que a decisão que acaba de ser anunciada pela Australis, de não avançar com a pesquisa, representa também o fim destas pretensões em Portugal, uma vez que, dos 15 contratos assinados pelo Estado português, apenas estavam em vigor os das concessões de Batalha e Pombal.

“O fim das concessões foi uma vitória da população local. Se nada se tivesse feito, o desfecho seria seguramente outro”, afirma Jairo Dias, residente na aldeia de Bouça de Cá, a cerca de “500 metros” do local onde estava previsto um dos furos de prospecção. Recuando a fita do tempo, o morador recorda a reacção que teve ao ler o documento da Junta: procurar informação.

A autarquia “pouco sabia” e entre a população o assunto era “completamente desconhecido”. Em breve deixaria de o ser. Jairo começa a partilhar informação que ia recolhendo, com a ajuda de outras pessoas que, entretanto, se juntaram à causa. Poucos dias depois, realiza-se a primeira sessão de esclarecimento, que juntou perto de 500 pessoas.

Segue-se uma iniciativa semelhante na povoação vizinha de Monte Redondo, onde, a convite da presidente da União de Freguesias, estiveram representantes da Australis. Os argumentos que apresentam em defesa do projecto não convencem e a luta intensifica-se. As sessões de esclarecimento sucedem-se, a população marca presença em sessões de assembleias de freguesia e municipais, em reuniões de Câmara e em comícios políticos, em plena campanha para as legislativas, e promovem-se manifestações.

À causa, vão-se associado também os órgãos autárquicos, não só de Leiria, mas dos concelhos vizinhos, que assumem posições contra a prospecção, e deputados eleitos pelo distrito.

“Apesar de vários sectores da sociedade civil se terem posicionado contra, foi a mobilização colectiva local que juntou cidadãos e autarcas e mostrou ser determinante para o desenrolar deste processo, que culminou agora numa desistência por parte da Australis. Sem a mobilização local, o desfecho teria sido outro”, lê-se num comunicado do Movimento do Centro contra Exploração de Gás.

A contestação à prospecção de gás é um dos protestos de sucesso na região. Mas há mais. Ainda nos idos anos 70, a população de Ferrel travou a construção de uma central nuclear ao largo de Peniche.

Mais tarde, no últimos anos do século XX, a luta empreendida pelo Movimento Cívico Contra as Portagens do Oeste, liderado por Feliciano Barreiras Duarte, ex-secretário de Estado, e por Júlio Sebastião, já falecido, conseguiu garantir a isenção de portagens no troço da A8 entre Caldas da Rainha e Bombarral, uma decisão que ainda se mantém mesmo depois da introdução de pagamento nas ex-SUCT (auto-estradas sem custo para o utilizada).

Em Alqueidão da Serra, Porto de Mós, o protesto da população impediu a construção de uma central de asfalto, enquanto no Olival (Ourém) e em Albergaria dos Doze (Pombal) foi possível evitar a demolição de igrejas com origens seculares. Em Leiria, um movimento nascido em 2014 nas redes sociais conseguiu, em poucas semanas, aquilo que há anos era reclamado, sem sucesso, pelo poder político: a requalificação de um troço do IC2, com a colocação de separador central.

Mais recentemente, a população de Reguengo do Fètal, no concelho da Batalha, mobilizou- se e impediu a aprovação de uma nova exploração de pedra na freguesia, travando o projecto da designada pedreira da Barrosinha.

 

A luta de Ferrel contra o nuclear

(Foto: José Nascimento)

 

Antó

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