Economia
Segurança e rastreabilidade são palavras de ordem nos alimentos compostos para animais
Desde os tempos onde simples feno, erva ou grão serviam de pasto para os animais nas explorações pecuárias, às rações compostas, o sector viveu uma revolução na nutrição, que permitiu reduzir o tempo de criação e engorda, melhorando a saúde e desenvolvimento do gado
A alimentação nas unidades de produção pecuária viveu uma pequena revolução em função das necessidades e exigências do mercado e dos consumidores, com um cuidado que está presente no quotidiano de boa parte das explorações.
Em termos estatísticos, segundo números divulgados pela Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores (FPAS), organização representativa, nacional e internacionalmente, dos suinicultores portugueses, que trabalha para a valorização da fileira da carne de porco e seus derivados, só o concelho de Leiria representa 18% da produção nacional de carne de porco.
Se a este município juntarmos os valores registados nos da Batalha, Pombal e Porto de Mós, a percentagem alcança os 22%, enquanto a região Centro produz 50% da carne de suíno para consumo interno e exportação a nível nacional.
Uma tal concentração, significa que existe, igualmente, um grande número de unidades de produção de alimentos compostos para animais, as chamadas rações.
“Deve ser das zonas do País, com maior número de grandes fábricas, sem falar dos auto-produtores. Há alguns anos, só o concelho de Leiria tinha 14 unidades”, afirma o presidente da FPAS.
Embora o sector agro-pecuário prefira manter as técnicas e modos tradicionais de produção de alimentos para animais, por uma questão de segurança e confiança entre o produtor e o consumidor, tem havido vários esforços de investigação e desenvolvimento de novas rações, incentivados pela necessidade de uma gestão inteligente e pela economia de recursos, num mundo com cada vez maiores necessidades alimentares e desaos causados pelas alterações climáticas. S
egundo dados divulgados no site do World Economic Forum, Portugal investiu, entre 2021 e 2023, dois milhões de dólares em pesquisa de várias fontes alternativas de alimentação animal.
A principal meta desta pesquisa é encontrar alternativas acessíveis, sustentáveis e nutritivas para as rações animais convencionais, reduzindo também o desperdício alimentar e o impacto ambiental.
As matérias-primas alvo de pesquisa incluem subprodutos e resíduos agro-industriais e o uso de materiais como polpa de frutas e vegetais, resíduos de processamento de cereais e subprodutos de padaria como ração animal.
A investigação também tem analisado a incorporação de microalgas, macroalgas e lentilha-d’água nas dietas animais, como fontes de proteína e de nutrientes.
Recentemente, os insectos também passaram a fazer parte do menu, estando a ser estudado o potencial de rações à base de larvas de tenébrio, ou larvas da farinha, mosca soldado negra, para aves de capoeira, suínos e ruminantes.
Há ainda trabalho feito à volta de culturas não convencionais, em especial, plantas alternativas e sementes como a quinoa, o amaranto e a acácia-branca (Moringa oleifera). As instituições com materiais publicados acerca de fontes alternativas de alimentação animal incluem o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), o Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo (CEBAL), a Universidade de Évora - Escola de Ciências e Tecnologia, a Universidade do Porto - Faculdade de Ciências e o Instituto Politécnico de Bragança - Escola Superior Agrária.
Rastreabilidade e segurança
Segundo a FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – nos próximos 25 anos, será necessário duplicar a produção de comida para alimentar a população mundial, com todas as implicações que tal encerra a nível da segurança alimentar.
David Neves não se cansa de sublinhar que o trabalho de décadas na agropecuária e uma legislação e controlo mais estritos levaram à produção de alimentos com menos substâncias nocivas para a alimentação humana e dos animais.
“A Europa, e bem, é muito exigente sobre a retirada de determinadas substâncias. Os portugueses e os restantes consumidores europeus podem estar descansados. Os produtores de alimentos para animais são alvo de um processo de rastreabilidade, provavelmente, mais apertado do que o da alimentação humana”, assegura.
Hoje, um saco de ração com 40 quilos conta com 50% de milho, 30% de soja e o restante é composto por cevada, centeio ou trigo e alguns minerais e intensificador de sabor e cheiro, nomeadamente, baunilha.
“Nos últimos anos, foram retirados os antibióticos e medicação. Foi um esforço tendo em vista a melhoria da saúde pública”, explica David Neves.
Por vezes, também é usada alguma proteína animal, especialmente, a derivada de peixe, e aplicada de forma cruzada.
A fórmula de fazer mais com menos, raramente funciona se não se acabar com o desperdício e essa é uma das metas actuais do produtores de rações.
As fábricas de ração evoluíram muito em termos técnicos e transformam uma maior percentagem de matéria-prima em alimentos.
“Vivemos num mundo globalizado que obriga a uma grande competitividade e o consumidor espera ter no prato produtos nos quais pode contar", diz o presidente da FPAS, sublinhando que, se os produtos saídos da União Europeia para os mercados globais são marcados pela qualidade, rastreabilidade e ausência de substâncias de crescimento e antibióticos nocivos para o ser humano, no mínimo, o que seria de esperar dos produtores extra-comunitários seria um mínimo de reciprocidade e um controlo de qualidade europeu.
“Sabemos que há substâncias muito usadas por produtores de carne dos EUA, Canadá ou Brasil, que cá são ilegais, e lá não o são. Isto vem distorcer a concorrência.”
No caso dos bovinos, as preocupações principais são as mesmas. Na região, os produtores têm ensaiado algumas soluções para melhorar a alimentação dos animais, mas as bases mantêm-se.
As soluções na alimentação assentam em bases tradicionais que, há muito, dão resultados.
No Vale do Lis, por exemplo, as forragens, a que se junta alguma ração composta, formam a maior parte da dieta dos bovinos jovens e adultos.
Na sua confecção, é usado, predominantemente o milho, gramíneas e leguminosas.
“Também utilizamos rações comerciais, fabricadas de acordo com as necessidades dos animais”, explica Uziel Carvalho, produtor de carne e leite em cuja exploração vivem mais de 400 animais.
Tal como nos suínos, o principal componente da ração é o milho, seguido da soja, em proporções diferentes.
“Na verdade, não há grandes alternativas. Chegámos a usar laranja espremida e polpa que íamos buscar à fábrica da Sumol+Compal, a Pombal, e era uma boa opção. Infelizmente, isso deixou de ser possível. Também recolhíamos folhas e restos de produção da Monliz, mas também já não é possível”, recorda o empresário, adiantando que, por vezes, é possível utilizar alguns subprodutos de indústrias alimentares da região.
Actualmente, o trabalho para produzir a forragem começa com a semeadura do milho, na Primavera, e continua com a recolha do pasto no final do Verão.
Após trituração, o alimento passa por fermentação, para estabilização dos açúcares em ambiente anaeróbico, mantendo-se apto a consumir, durante o ano inteiro.
“Não tem havido grandes invenções na alimentação, mas verifica-se um maior controlo e retirada de substâncias menos seguras. Por exemplo, já não são empregues subprodutos de origem animal ou antibióticos nas rações compostas. Apenas são usados premixes com vitaminas e minerais essenciais para a alimentação.”
Leite materno substitui antibióticos
A título de exemplo de práticas alternativas, Uziel Carvalho explica que, até há alguns anos, as crias eram retiradas às mães e alimentadas com leite de substituição e administração de antibióticos como precaução contra doenças oportunistas.
Hoje, com as exigências comunitárias e do público de uma alimentação mais biológica e segura, os criadores voltaram às origens.
Os bezerros são amamentados por vacas que já passaram o seu pico na produção de leite, embora, nos primeiros dias, os animais, tenham acesso ao colostro, primeiro leite que a mãe produz quando começa a amamentar.
Rico em proteínas e nutrientes, é um líquido espesso e amarelado, abundante em anticorpos que desempenham um papel fundamental na imunidade e desenvolvimento saudável dos recém-nascidos.
“É o processo mais fisiologicamente possível numa exploração pecuária, com resultados bastante interessantes”, garante o produtor.