Sociedade
Sílvia Patrício: "Gosto de acreditar que existe algo superior a nós, que existe uma razão pela qual estamos aqui"
Autora do retrato dos pastorinhos para a cerimónia de canonização em Fátima, a pintora residente em Leiria participou já este mês em Macau numa exposição sobre o poeta português Camilo Pessanha.
Vai ficar para sempre ligada a um momento especial em Fátima, por ser autora dos retratos oficiais de Francisco e Jacinta Marto, colocados na fachada da Basílica de Nossa Senhora do Rosário para a cerimónia de canonização, no passado mês de Maio. Como é que isto se proporcionou?
Fui a uma reunião por causa de uma exposição e nessa reunião estava o Marco Daniel Duarte [director do Departamento de Património Cultural da Diocese de Leiria-Fátima]. Quando lhe mostrei o meu portefólio, ele ficou muito interessado. Foi tudo muito rápido. Acho que pintei aquilo num mês e meio, dois meses. Noite e dia. Foi intenso. Já faço retratos, já trabalho temas religiosos e é claro que tinha todo o gosto em aceitar, ainda por cima a visibilidade é sempre positiva para o meu trabalho.
Há algum risco de banalização da sua obra?
Não me devo preocupar com isso. Às vezes é difícil controlar a forma como depois as imagens são usadas, mas não é por causa disso que o trabalho tem menos credibilidade.
Estou a pensar na Joana Vasconcelos, que também fez uma intervenção no Santuário, para o centenário dos acontecimentos da Cova da Iria. Quando apareceu teve um feedback muito positivo, mas actualmente o registo dela parece que já não é aceite da mesma maneira.
Penso que o trabalho da Joana Vasconcelos está muito associado a ela enquanto pessoa. E nem sempre agrada o que ela diz e projecta enquanto pessoa. Podes ser um artista e só aparece o teu trabalho e pode ser um trabalho em que o artista se reflecte muito. E isso pode ter consequências.
Que importância dá à crítica?
O meu trabalho não tem sido propriamente criticado, porque não faço parte do núcleo das galerias, dos críticos. Como não me meto lá no meio, eles acabam por não mencionar sequer o meu nome, é como se eu vivesse noutro mundo, à parte. Tem vantagens e desvantagens. Os comentários que me chegam têm sido positivos, mas o trabalho que faço não é um trabalho de crítica social. Se o comentário for negativo, tento que não seja importante. Faço o meu trabalho na mesma.
Com os pastorinhos, e também com as telas do Crime do Padre Amaro, no centro histórico de Leiria, invadiu, entre aspas, o espaço das pessoas, o espaço público.
Não influenciou o meu trabalho, acho que não tem que influenciar. O trabalho do Crime do Padre Amaro não foi feito sequer a pensar que ia ser exposto publicamente, era para ser só uma exposição numa galeria.
Incomoda-a que lhe colem a etiqueta Paula Rego?
Queremos sempre ser o mais originais possível. De alguma forma, é uma honra compararem-me com uma das pessoas mais conhecidas em Portugal. E realmente eu e ela temos temas muito parecidos. E ambas gostamos de contar histórias. A minha primeira referência foi o Gustav Klimt. Depois houve várias, inclusive a Paula Rego.
É uma pessoa de fé, uma pessoa crente?
Gosto de acreditar que existe algo superior a nós, que existe uma razão pela qual estamos aqui. Que existe algo mais profundo no ser humano que não é meramente físico. A fé é importante para continuarmos a viver. Enquanto tema, é importante, não sei se por influência de trabalhos que fazem parte da história da pintura, mas, principalmente, porque são questões muito próximas do ser humano. E de alguma forma fazem-nos compreender o que somos e ajudam-nos a relacionar com o mundo.
A pintura também é um processo de auto-conhecimento?
Acho que sim.
Para matéria-prima, prefere o real ou o transcendente?
Gosto de ambos, e de misturá-los. Quero que as pessoas consigam sentir alguma coisa e influenciar o universo de quem observa o trabalho, no sentido positivo.
Na exposição Humanário, o ponto de partida era a bíblia. De que ia procura?
Das histórias da bíblia. Da relação entre as pessoas. Foi um exercício para mim, porque à medida que vamos trabalhando vamos reflectindo sobre as coisas, sobre o que somos, o que nos rodeia.
E depois tornou-se uma homenagem à sua mã
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