Viver

Trabalhar durante um ano para ter Tiago Bettencourt a tocar à porta de casa

25 ago 2016 00:00

As festas e romarias de Verão continuam a mobilizar milhares de pessoas nas aldeias do concelho de Leiria.

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Tiago Bettencourt, Virgem Suta, Tara Perdida e Blasted Mechanism, está aqui um cartaz que chega para envergonhar alguns festivais de verão por esse país fora. Todos nomes consagrados, todos a caminho das festas da Bidoeira de Cima, edição 2016.

Nos bastidores, a convencer estes e outros artistas que não há nada melhor do que tocar numa aldeia dos arredores de Leiria, 20 amigos a quem saiu a sorte grande (ou a fava, depende da perspectiva).

Acumulam horas extraordinárias de trabalho desde o ano passado, e sacrificam dias de férias, para ter Tiago Bettencourt a tocar à porta de casa, mas podem gabar-se do melhor cardápio de concertos das redondezas, capaz de atrair milhares de pessoas ao longo de uma semana. "Não havia voluntários e quando demos por ela já lá estávamos em cima", conta Ivo Dionísio, sobre a cerimónia de passagem da bandeira, realizada há 12 meses.

Aos 30 anos de idade, é mordomo pela segunda vez. Chefe dos escuteiros, antigo colaborador do centro cultural e recreativo, está acostumado a envolver-se com a comunidade. Mas entre a organização do evento, o emprego na área comercial e os cuidados dispensados ao primeiro filho, as horas devidas ao sono acumulam-se noite após noite. 

Na Bidoeira de Cima, diz a tradição que as celebrações em honra do Imaculado Coração de Maria são organizadas por oito casais, no ano seguinte à boda. Mas a tradição já não é o que era. Daí o colectivo de 20 mordomos, entre os 20 e os 50 anos, uns casados, outros solteiros, que da mesa de café, e convívios afins, passaram para a gestão de 90 mil euros. T

Talvez o maior orçamento das romarias de Verão no concelho, é praticamente metade do investimento que a Câmara de Leiria faz na Feira de Maio (200 mil euros) e no recém-criado Leiria Festival (mais 200 mil). O que ajuda a perceber a ambição da comissão organizadora. "É uma forma de publicidade à terra bastante grande", explica Ivo Dionísio.

"Tentamos sempre que os artistas agradem a todas as idades e este ano não é excepção", afirma. E para suportar os cachês, sempre a barra mais pesada no gráfico das despesas, começam a amealhar nos meses que antecedem, com iniciativas tão diferentes como sessões de DJ, cabazes de Natal, torneios de futsal e corridas de carros de rolamentos.

Entretanto, para os bares abertos entre 23 e 29 de Agosto, encomendaram 250 barris de cerveja. A 50 litros cada, e a 1 euro a imperial, é fazer as contas.

"A essência das festas da Bidoeira, como o recinto é grande, é o encontro, o convívio e a animação. Os emigrantes aproveitam para estar com os amigos e as pessoas que estão em Lisboa e Porto também", descreve Ivo Dionísio. Uma espécie de casamento entre o sagrado e o profano, que se alimenta das celebrações religiosas e do culto católico tanto como das cumplicidades construídas à mesa ou entre um copo e o próximo.

Parceiros inova

Nos Parceiros, José Lemos tem pelo menos um motivo de orgulho, uma inovação: pela primeira vez, as senhas para comidas estiveram ligadas a um sistema informático, que permite saber, por exemplo, que no passado sábado, dia 20, saíram mais de mil refeições.

Ele é técnico de vendas, tem três filhos, vive "a 100 metros da igreja" e há muito que sonhava com este momento. "Tenho orgulho em ser juiz da festa", reconhece. "São coisas que vimos os nossos pais fazer, ficam na memória e mexem connosco. São emoções muito fortes, ligadas à nossa santa padroeira", afirma. 

Por ali, manda a regra que quem reside na freguesia e faz 50 anos tem a responsabilidade de organizar as festas. O primeiro passo é pedir ao pároco uma listagem dos baptizados. Depois, tentar juntar voluntários em número suficiente. Este ano, apareceram 26. "Uma das condições que coloquei foi não irmos pedir dinheiro ao conselho económico [da paróquia] para iniciar", explica José Lemos. Começaram do zero.

E grão a grão, como diz o povo, chegaram onde queriam. Um festival de sopas e uma prova de vinhos (com ofertas da comunidade e de produtores locais), um cabaz de Natal, uma noite de fados, vários almoços e uma excursão aos passadiços do Paiva serviram para suportar boa parte do orçamento, a que somam donativos de particulares, empresas e instituições, além de receitas de publicidade. 

Mas, "a sustentabilidade das festas são os bares e restaurantes", explica José Lemos. Entre 19 e 22 de Agosto gastaram-se mais de 150 barris de cerveja, cada qual com 50 litros. Só com peditórios não iam lá, esta receita é indispensável, reconhece. No final, contas feitas, o remanescente, ou lucro, a existir, reverte a favor da paróquia. E pode ser aplicado, entre outros fins, nas obras de manutenção da igreja.

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