Opinião
Abstenção, a maior vencedora
De nada adianta criticar e reclamar no conforto do sofá. Com tão baixo índice de participação eleitoral, a democracia está a perder força.
Marcelo Rebelo de Sousa foi o candidato a Presidente da República mais votado no distrito de Leiria; André Ventura conseguiu o segundo lugar. Mas estas escolhas foram feitas por menos de metade dos eleitores.
É que a percentagem daqueles que não foram votar no domingo foi de 55,3% no distrito. A abstenção tem sido em muitos actos eleitorais uma das maiores vencedoras, e neste não foi excepção. Tem vindo sistematicamente a subir ao longo dos anos, atingindo níveis que são alarmantes.
A Covid-19, a chuva, o frio…
Estes terão sido os argumentos para ficar em casa neste domingo.
Quando há eleições em tempo quente, também é certo que a abstenção é elevada, com muitos eleitores a trocarem a ida às urnas pela ida à praia. Mas, mais do que as circunstâncias, o que afasta os eleitores é a sua cada vez maior falta de identificação com a política e os políticos. Só que para que alguma coisa mude é precisa participação.
De nada adianta criticar e reclamar no conforto do sofá. Com tão baixo índice de participação eleitoral, a democracia está a perder força.
Os políticos, eleitos pelos votos do povo, perdem representatividade e esse é, entre outros problemas, um dos terrenos férteis para os populistas.
A actual metodologia de votação, reconheça-se, poderá ser um dos motivos que levam muita gente a não ir votar.
Em muitos casos, a obrigatoriedade de deslocação a um local específico na área de residência (actual ou antiga, caso o Cartão de Cidadão não tenha sido actualizado) pode ser um incómodo.
Em plena era ditigal e da mobilidade, não faz muito sentido.
É urgente facilitar o voto.
Medidas como a que foi reforçada nestas eleições – voto antecipado e em mobilidade – deveriam ser alargadas. Mais ou menos arrojadas, há certamente várias formas de tornar o acto eleitoral mais rápido e menos burocrático.
Aumentar o número de locais onde se vota, permitir aos eleitores que exerçam esse direito em qualquer local, e não apenas na área de residência, são hipóteses que me parecem viáveis.
A experiência destas eleições presidenciais, em que se permitiu a recolha de votos por exemplo nos lares de idosos, poderá e deverá ser repetida, e até alargada a outro tipo de instituições.
Ou seja, as mesas de votos devem passar a ir ao encontro dos eleitores mais fragilizados e não o contrário.
Mas além do alargamento das formas de voto presencial, há que avaliar seriamente a possibilidade de voto electrónico.
Se hoje já recorremos ao smartphone para um leque alargado de situações – abrimos e movimentamos contas bancárias, fazemos compras e pagamentos, atestamos a nossa identidade perante as instituições, requisitamos documentos – não será certamente impossível arranjar maneira de votar electronicamente sem prejudicar a segurança e a fiabilidade do acto eleitoral.
Claro que há um desafio inerente: garantir que a pessoa que está a votar é mesmo quem deveria estar a fazê-lo.
Mas a tecnologia oferece hoje garantias de segurança fiáveis para responder a este e outros desafios.
Alterar a forma como se vota é possível. Implica vontade e investimento por parte do Estado, mudança de mentalidades e informação/sensibilização dos cidadãos.