Opinião
As portas fechadas
A fisionomia das nossas cidades e vilas está em acelerada mudança: novos rostos, línguas, costumes, odores e paladares
Andamos a trancarmo-nos por dentro, aferrolhados pelo medo. E por cada volta que damos à chave, convencidos que desse modo ficaremos seguros, mais não fazemos que ficar reféns do medo, do nosso próprio medo centrípeto e autofágico. Insidiosamente os fazedores de opinião, subservientes a um punhado de mandantes do mundo, vão-nos dizendo como sentir, pensar e agir para sermos aceites entre os nossos pares, empurrando-nos a todos para, acriticamente, aceitarmos a esquizo-capitalista ordem mundial.
Ensinam-nos a temer o diálogo e o confronto, porque nos aquietemos resignados a um qualquer poder não-tangível e ao qual não sabemos como resistir. Há uma novíssima arquitetura social da qual fazemos parte embora, alguns, se continuem a rever num tempo que já o não é.
A fisionomia das nossas cidades e vilas está em acelerada mudança: novos rostos, línguas, costumes, odores e paladares; as relações de trabalho e consequentes padrões sociais são hoje terreno farto para vendedores de mentiras e ilusões; a informação tornou-se uma catadupa vertiginosa onde é difícil distinguir a notícia do ruído; o discurso da indiferença, do ódio, do racismo, da segregação tornou-se omnipresente no léxico comum.
Nas últimas semanas, no nosso País, têm ocorrido episódios que nos deveriam fazer abrir todas as portas de todas as casas e vir para a rua gritar de indignação, revoltados, insubmissos, numa réstia de resistência pelo respeito pela condição humana, antes que seja tarde de mais e se desumanize irremediavelmente a Humanidade.
Adolescentes imberbes e jovens a quem não soubemos garantir um mundo seguro, previsível e confiável, levaram a cabo ameaças sobre outros jovens, mais além um bando violou e divulgou imagens do seu bárbaro comportamento, num outro local uns quantos fizeram saudações nazis e gritaram impropérios fascizantes apenas porque não gostaram de uma peça de teatro que lhes fora apresentada, e muitos mais seriam os exemplos possíveis de dar.
Não os soubemos ensinar e desaprenderam a pensar os pensamentos e a dar voz às emoções. Só que desta vez não podem os segregadores sociais e políticos da extrema-direita do costume, apontar o dedo aos “diferentes” e menos ainda “aos que vêm de fora”. Foram os seus iguais ou seguidores que perpetraram estas humanas desconformidades.
Hoje, as neurociências alertam-nos para uma nova mutação na elaboração do pensamento e que afeta a produção neuronal: o brain rot, resultante da opressão cibernética que nos sujeita ao algoritmo que diariamente alimentamos com as pesquizas desprovidas de curiosidade de aprender, com as visualizações patéticas de conteúdos estupidificantes.
Paulatinamente vão fazendo de cada um de nós, jovens e menos jovens, seres dóceis, obedientes, acríticos. Bom seria que não sejamos cúmplices da facilidade em apontar o dedo acusatório. Temos andado por desinteresse e cobardia a ser metade de nós, a darmo-nos como exemplo de como tão facilmente podemos ficar encolhidos no lado errado da vida.
Por fim, por favor, deixemos de dizer aos nossos filhos que passam demasiado tempo ao telemóvel quando, ao dizê-lo, estamos a olhar bovinamente para o ecrã do nosso.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990