Opinião
As raposas nos galinheiros
Trump e Bolsonaro são novos líderes para os quais é preciso a democracia estar atenta.
Mesmo nas vésperas da Grande Depressão de 1929, o presidente norte-americano Herbert Hoover proclamava aos quatro ventos os benefícios de uma economia liberal.
Fazendo loas ao que ainda hoje são os princípios basilares desse pensamento – “menos Estado, mais economia”, “a procura e a oferta regulam sabiamente os mercados”, “o Estado não deve intervir, apenas regular” – Hoover confrontou-se com uma crise sem precedentes que obrigou o Estado norte-americano a uma intervenção sem precedentes. Parece, por vezes, que os que deviam conhecer a História pouco aprendem com a história.
Ora o que a História nos diz é que os princípios da economia ultraliberal (se assim a podemos chamar) só se afirmam vantajosos - mais para uns que para outros - fora das grandes crises, até porque, na maioria das vezes, esta economia sabe gerir em seu benefício, com sucesso, as pequenas crises cíclicas.
Quando a economia colapsa, ou corre riscos de colapsar, então torna-se inevitável a intervenção do Estado e o sacrifício de todos nós. E quem a alimentou, potenciou e deu azo ao colapso, retira-se de campo e assobia disfarçadamente para o lado.
Também não se aprende com a História quando olhamos de uma forma maniqueísta para o funcionamento da sociedade, na boa tradição do pensamento marxista mais conservador: entre os que são maus e os que são bons, entre os que só exploram e entre os que são sempre explorados…
Mas fora destas minhas constatações iniciais, que valem o que valem, independentemente das visões sociais e políticas que todos temos, há um princípio basilar: todas elas podem conviver sem qualquer problema no quadro da democracia.
O que é extremamente perigoso é quando os líderes, eleitos em democracia, põem em causa e desconsideram os princípios essenciais que lhes possibilitaram a subida ao poder.
Na polis de Atenas, o cidadão que atentava conta a democracia era ostracizado mas, mesmo aí, a democracia nunca foi perfeita: Sócrates foi condenado à morte por “corromper a juventude” e o grande Péricles foi também acusado de mau governo e corrupção. O uso da demagogia é algo intrínseco a toda a actividade política.
Bem o sabemos.
E o outro perigo é quando a demagogia se faz acompanhar despudoradamente da mentira, da corrupção, do controlo das instituições e dos media, quando consegue o apoio de poderosas “organizações” religiosas e quando sistematicamente chantageia os cidadãos, incutindo-lhe medos e receios.
Trump e Bolsonaro são novos líderes para os quais é preciso a democracia estar atenta.
As suas origens, o modo como fizeram fortuna, como se rodearam de uma “entourage” que despreza a democracia e o seu funcionamento, as suas dinâmicas de acção, devem deixar-nos preocupados.
Para resolver os problemas da democracia os cidadãos não podem cair na tentação de dar o seu governo a quem naturalmente sempre se alimentou e viveu desses problemas.
Na realidade - e esta comparação não é minha, mas aproveito-a de bom grado - é como estarmos a pedir à raposa que construa o nosso galinheiro.