Opinião
Até breve, então!
Enquanto as gerações nativas do digital multiplicavam os acessos ao conhecimento, a escola continuou a basear-se na autoridade da transmissão do saber.
Dois anos depois, damos por encerrado este canal de comunicação que o JORNAL DE LEIRIA me proporcionou. Encerrado não, interrompido, corrigiu-me João Nazário, quando me deixou um voto de “até breve”.
Olhando para trás, as 24 crónicas constituíram outros tantos ensaios de observação e análise da cidade que habitamos.
Com a ajuda a um punhado de autores, pude formar uma pequena estante de ideias, com as quais fui tentando perceber. Donde viemos, o que perdemos, em que sentido prosseguimos, o que podemos ainda alcançar. E propor.
Não recuso a nostalgia, mas incomoda-me a resignação. Reproduzir o passado é por vezes reconfortante, mas, sem inovação e transformação, o mundo ir-se-á estreitando cada vez mais.
Gostaria de acreditar que foi afinal esse tentar perceber que orientou a minha própria acção de professor, desde que, em 1970, a iniciei, no Liceu de Castelo Branco. Também aqui, dei por encerrado o canal de comunicação (e ,também neste caso, generosamente, a minha coordenadora de curso me enviou o seu voto de “até breve”).
Passei, nos últimos três meses, como tantos milhares de colegas, por uma situação sem equivalente: pôr de pé, com carácter de urgência, uma modalidade de trabalho docente que não fazia parte do arsenal corrente: o tele-ensino.
Se há meio onde a estabilidade e até o convencionalismo imperam é o da escola.
Apesar de tudo mudar à sua volta, impulsionando a sociedade em rede, a escola continuou a ser o domínio da dissertação linear.
Enquanto as gerações nativas do digital multiplicavam os acessos ao conhecimento, a escola continuou a basear-se na autoridade da transmissão do saber.
Durante estes três meses em que fiz a descoberta, o tirocínio e a especialização em plataforma ZOOM, improvisando, cometendo erros e adquirindo competências inesperadas, talvez a experiência mais surpreendente tenha sido esta: nos pequenos écrans em que se passou a subdividir o écran do meu computador, aos quais assomavam os meu alunos, eu também estava lá.
Em tempo real, eu via-me na aula.
Partilhávamos agora os nossos quartos, escritórios e salas, e a sala de aula passou a ser o somatório incrível destes espaços privados.
Partilhávamos olhos, bocas e expressões faciais, no mesmo plano e em simultâneo.
Esta deslocação talvez tenha feito mais pela mudança da escola do que pilhas de relatórios.
Mostrou que é possível, além de desejável, regenerar a aprendizagem, com recurso ao digital, e ampliar o campo da experimentação pedagógica graças à interacção entre real e virtual.
Em suma, que é possível operar uma mudança na escola, acrescentar competências aos professores e reatar a relação entusiástica entre a escola e os seus alunos.
Não advogo o fim do ensino presencial.
A escola é uma peça do elo social que só na convivialidade abrigada se cumpre.
Acredito que a pandemia nos impõe uma revalorização da escola e das suas funções, mas não tenho dúvidas de que o hibridismo da escola é essencial, tanto quanto a comunicação é também ela híbrida.
A interacção é tão indispensável quanto a virtualidade.