Opinião
Criatividade e confinamento
Em muitos casos, muitos de nós superámos expectativas, surpreendemo-nos e fomos surpreendidos, descobrindo-nos capazes do que ainda não tínhamos sequer imaginado.
A criatividade é talvez a mais importante dimensão humana, porque é universal, e porque é capaz de transformar, duas capacidades fundadoras da nossa evolução enquanto espécie.
Todos os seres humanos a possuem, podendo manifestá-la, em maior ou menor quantidade, em diferentes domínios como o social, o político, o científico ou o estético, e tendo como resultado a transformação da realidade que lhes surge, de forma a resolver um problema, a encontrar uma resposta, ou a descobrir uma saída.
E apesar de haver génios da criatividade, ela é uma competência que pode ser trabalhada, educada, melhorada, e não apenas um talento com o qual uns nascem e outros não.
Pode alguém ter talento para o canto, para o teatro, ou para a dança, para a patinagem ou para o futebol e, tal como com a criatividade, poder melhorá-lo e atingir altos níveis de execução, mas tal não significa que seja criativo.
Um pianista pode ser altamente competente, o chamado “virtuoso”, porque aperfeiçoou o seu talento até um ponto que nos faz admirar profundamente a sua capacidade técnica, mas a sua execução não nos trazer nada de novo, de apaixonante, de vibrante, nada capaz de nos despertar a percepção, desenvolver a sensibilidade estética e, por sua vez, nos estimular a criatividade.
Ser criativo pressupõe imaginação que permita misturas improváveis, leituras de outros ângulos e pensamento divergente.
A criatividade é um processo de mudança que resulta em algo original; é a capacidade de ser sensível a um problema e lhe procurar a solução, testando e experimentando várias hipóteses; é um procedimento mental que ajuda a encontrar respostas adequadas, mesmo que imperfeitas, para perguntas difíceis; é um caminho sem fim à vista.
O potencial criativo surge na infância, a reboque da imaginação quase sempre fértil, e livre, e estender-se-á pela vida adulta, se encorajado; mas pode também surgir muito mais tarde, quando um adulto acredite que as suas atitudes serão realmente valorizadas, ou quando se sinta suficientemente seguro do que foi conquistando para perder o medo de o comprometer com atitudes diferentes, arrojadas, e livres.
Em tempo de repetido confinamento, todos nos aproximamos cada vez mais de formas de comunicar e de resolver que anteriormente não tínhamos, desconhecíamos, ou pouco ou nada usávamos.
Todos fomos sendo criativos na tarefa de encontrar respostas profissionais, sociais, e emocionais, criando pontes de computadores, tablets e telefones entre nós e os outros com quem queremos construir alguma coisa.
Em muitos casos, muitos de nós superámos expectativas, surpreendemo-nos e fomos surpreendidos, descobrindo-nos capazes do que ainda não tínhamos sequer imaginado.
Foi assim que numa manhã de sábado os encontrei, dentro dos quadradinhos do zoom, imóveis e em silêncio, prontos para a apresentação do seu trabalho final do Laboratório de Dança do mestrado em Intervenção e Animação Artística.
E lá dentro dançaram silêncios e memórias, inquietações, desejos e angústias, e fizeram jorrar a emoção do que descobriram e quiseram contar de si.
Criaram, porque se aperceberam que havia uma pergunta, porque descobriram as respostas, porque souberam o que dizer, e porque encontraram uma forma única de ser dito.
Criaram porque, de novo imóveis e ainda em silêncio, respirando fundo o terem chegado ao fim, sentiam que ali tinham deixado a sua leitura do mundo.