Opinião
A vida modificada
E também sei - se sei! - que todos temos um monte de erros, ou omissões, a apontar aos outros;
Eu sei. A vida, tal como a conhecemos, descarrilou; parou subitamente e disparou depois numa outra direcção; entrou num vôo sem planos e não sabemos ao certo onde irá aterrar. É assustador, inquietante, e até paralisante, às vezes.
E eu sei que todos precisamos de nos queixar um bocadinho de vez em quando, de lamentar os azares que se nos atravessam ao caminho, e de contar e recontar os problemas que nos dificultam a vida, pedindo um pouco de colo, inspirando um bocadinho de comiseração, ou pondo-nos a jeito para uns merecidos elogios, por tão heróicos e inspirados sermos na gestão dos nossos dias.
E também sei - se sei! - que todos temos um monte de erros, ou omissões, a apontar aos outros; uma infinidade de explicações a dar sobre como quase tudo deveria ser feito para ficar perfeito; e uma bela mão cheia de recriminações a fazer sobre o tanto que os outros fazem “contra” nós.
Nós de um lado, e os outros do outro. Nós, os que fazemos quase sempre bem, e os outros.
Nós, os que temos boas razões para sofrer, e os outros. Nós, os que lutamos estoicamente contra a adversidade, e os outros.
Quase todos sentimos de vez em quando vontade de encontrar culpados para o que nos corre mal, ou de exigir a ajuda que acreditamos merecer, mas isso faz-nos esquecer que os tais outros estarão talvez numa situação semelhante à nossa, ou pior ainda, por muito que não pareça, ou que nada podem realmente fazer, mesmo que sejamos levados a crêr que sim.
Desconfiar do outro e das suas intenções é o princípio para a desconstrução do que poderia ser uma rede de suporte, de ajuda, e de confiança, para resolver uma situação difícil. E tomarmonos por vítimas de uma sorte malvada, sejam quais forem os seus contornos, apenas nos definha, enfraquece, e incapacita, para prosseguir a vida que se nos apresenta difícil.
Correr mal não é o mesmo do que correr mesmo muito mal. Ser difícil não é ser quase impossível. Ser assustador não é igual a ser paralisante. Ser muito diferente não é necessariamente ser muito mau.
Precisamos muito de aprender a fazer e a pensar de um outro modo, sobre muitas coisas, e para essa aprendizagem devemos todos ser, em simultâneo, professores e alunos empenhados em descobrir outras formas de ser.
Esta é uma realidade nova e é bom que a aceitemos.
Modificou-nos a vida, é certo, mas agora é preciso fazer com que se inscreva nessa vida modificada, e que faça parte dela sem criar os anticorpos que, neste caso, só nos irão prejudicar.
Aceitar como parte integrante da nossa vida o que por enquanto não pode ser alterado, para nos podermos dedicar inteiramente a mudar o que nos for possível, e útil.
Aceitar. Modificar. Aprender. Descobrir.
A nossa vida tremeu, abriu pequenas brechas, deixou-nos inseguros, mas “em todas as coisas há uma fenda; é por lá que entra a luz”.